Maria e Manuel Rão casaram no início de novembro de 1941. Maria já não se lembra ao certo do dia. Foram de mão dada, tamancos nos pés, estrada fora, ela e o seu Manel. Arranjaram os padrinhos ali mesmo, no adro da igreja de Vila Chã, em Vila do Conde, e lá trocaram juras de amor.
Corpo do artigo
Não houve convidados, nem festa. À noite, partilharam "duas sardinhas e uma malga de caldo verde". Era o que havia em casa de "pescador pobre". Trabalharam muito. Emigraram. Vieram sem nada. Nunca tiveram fortuna, mas, 77 anos depois, são "felizes" e continuam a cumprir a jura: juntos, na saúde e na doença, sempre de mãos dadas, num amor para a vida toda.
Maria Oliveira, ou Maria do Rão como é mais conhecida, tem 96 anos. Manuel Franco, o tio Rão, 97. Quando casaram, ela tinha 19 e ele 20. Ele era pescador e, na ida para a faina, passava à porta de Maria. A "menina bonita", que trabalhava nas conservas, conquistou-o.
Deram as mãos e, ainda que "pobres", fizeram-se à vida. Vieram os filhos - "duas cachopas e um rapaz". Depois, ele emigrou. Ela ficou em Vila Chã e, com o dinheiro que ele mandava, foi construindo "uma casinha para os dois".
https://d23t0mtz3kds72.cloudfront.net/2018/11/casal_velhinhos_vila_cha_amor_7nov2018_20181109182207/hls/video.m3u8
"Carregou muitos baldes de areia da praia e pedras às costas. Trabalhou muito, coitada", atira Manel. Esteve 10 anos em Angola, depois rumou a Moçambique. Era marinheiro. A família haveria de ir lá ter. Venderam a casa em Vila Chã, compraram uma na Beira, que "nem estrearam". A guerra trouxe-os fugidos, "sem nadinha".
Deram as mãos e começaram "do zero". Compraram um barco. Manel voltou ao mar e ela vendia-lhe o peixe. Acabaram de criar os filhos, ajudaram a criar netos e bisnetos.
"Fomos sempre felizes", diz Maria, sem hesitar. Manel confessa uma zanga "só uma vez, por causa de uma moça. Nunca mais". Um dia, "casados de fresco", ele, que nunca bebeu, fingiu-se de bêbado. Maria levou-o "às carrachuchas" para casa, deitou-o na cama e cuidou dele. Foi ali, diz hoje, que soube que ela era "a tal".
Um exemplo de amor
Maria garante que Manel é "bom marido", de outra forma, "já o tinha corrido". Manel vive "morto de preocupação" com a sua "Maria": se tem frio, se os pés estão quentes, se o cabelo está arranjado, se lhe doem as pernas. Até há bem pouco tempo, era ele quem cuidava da casa, cozinhava e tratava de Maria. Hoje, vivem com a filha Custódia.
"Quando ela está doente, ele está muito pior, só com medo de a perder. É muito cuidadoso e isso, tantos anos depois, é muito bonito. São um exemplo de amor. Ela é o centro do universo dele e é terem-se um ao outro que os motiva a viver", remata a neta, Leilane Ferreira.