Umas duas dezenas de alunos finalistas da licenciatura de Arqueologia concluíram um mês de escavações no chamado Castro do Monte Castêlo, em Guifões, que a Câmara de Matosinhos quer comprar em hasta pública.
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Entre o processo dinâmico de ensino e a investigação científica, os novos achados não diferem dos de campanhas anteriores - muros, cerâmicas, recipientes de transporte, utensílios caseiros diversos... -, mas reforçam a convicção da existência de muitos mais vestígios nos terrenos privados incluídos no Monumento de Interesse Público, assim classificado desde 1971, e que nessa condição suscitam o interesse do município.
Decorridas numa parcela do Porto de Leixões, parte igualmente interessada no protocolo de parceria entre a Faculdade de Letras da Universidade do Porto e a Câmara de Matosinhos, as escavações revelaram artefactos da Idade do Ferro, da Ocupação Romana e mesmo de uma certa era proto-histórica, que remonta às origens mais remotas de Matosinhos e do que há dois mil anos ainda era uma enseada, na margem esquerda esquerda do Rio Leça, a três quilómetros do Atlântico, onde se instalou o abrigo comercial que abastecia a região com produtos oriundos do Mediterrâneo, de África e da Europa Central e do Norte.
Comércio global
"Tudo isto demonstra que nessa época as povoações já tinham poder aquisitivo", verifica Andreia Arezes, professora da UP e coordenadora das campanhas arqueológicas realizadas no Castro de Guifões desde 2016.
Desses primórdios do comércio global sobram todos os testemunhos recolhidos de campanhas anteriores: peças da Tunísia, do Mediterrâneo e da Renânia, já expostas no Centro de Investigação Transdisciplinar "Cultura, Espaço e Memória", museu municipal, que destacou o arqueólogo José Varela para os trabalhos de campo em Guifões.
"É um trabalho de valorização patrimonial, articulado com o Museu da Memória e o Gabinete Municipal de Arqueologia. Estão aqui as raízes de Matosinhos. E tudo isto é também importante do ponto de vista ambiental, porque se trata de um pulmão da cidade, com diversificação da fauna e da flora. Há aqui, sobretudo, muitos sobreiros, que convém preservar", disse o arqueólogo.
Leilão desde 309 mil euros
Entre a poeira, estes garimpeiros do tempo só despertam ainda mais interesse pelos seis hectares de terreno que vão a hasta pública. O edital anuncia um prédio rústico de exatamente 60 700 metros quadrados, fixa um valor base de 364 mil euros e uma licitação mínima de 309 400 euros. Para exercer o direito de preferência, o município terá de cobrir a melhor oferta.
"A Câmara já tinha tentado adquirir os terrenos, mas nunca conseguiu chegar a acordo com a família dos proprietários. Os herdeiros também não se entendiam. Agora, a família decidiu fazer a divisão judicial do terreno e o tribunal decretou uma hasta pública. A Câmara tem direito de preferência", afirma ao JN o vereador da Cultura da Câmara de Matosinhos, Fernando Rocha.
Corredor verde
Também no âmbito do "masterplan" da Associação de Municípios do Corredor Verde do Leça - da qual fazem igualmente parte os concelhos de Santo Tirso, Valongo e Maia -, Matosinhos pretende fazer do Castro de Guifões mais um ponto de valorização patrimonial e ambiental do Leça.
"A Câmara já quis fazer intervenções no Castro de Guifões, mas não pôde. Pode entrar no castro para fazer trabalhos de escavação ou prospeção, mas, por exemplo, não pôde arranjar arruamentos. Fazer um centro interpretativo também não foi possível, porque o terreno não é da Câmara", afirma Fernando Rocha.
Experiências
Catarina Romani, estudante de Arqueologia, diz: "Foi uma experiência muito enriquecedora, entre as Ciências e a História. É uma área muito interdisciplinar, o que sempre me fascinou".
Por sua vez, Caio Alexandrino, estudante de Arqueologia, afirma: "Sou carioca de raiz, do Rio de Janeiro, e vejo aqui tantas raízes históricas. A peça mais interessante que encontrei foi um pedaço de cerâmica do século I".