Milhares de pessoas juntaram-se, este sábado, em Lisboa, para marchar pelos direitos LGBTI+, nomeadamente viver em dignidade, afirmando ser um sinal de resistência face aos discursos de ódio que tentam normalizar-se.
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Sob o mote "Nem mais um passo atrás!", a 26.ª Marcha do Orgulho LGBTI+ (Lésbicas, Gays, Bissexuais, Transgénero, Intersexo e outras identidades), em Lisboa, começou no Marquês de Pombal pouco depois das 17 horas. Os manifestantes marcharam ao som de tambores, enquanto se ouviam palavras de ordem como "Aqui se vê a força LGBT". Várias pessoas empunhavam cartazes com frases que iam de "Isto é amor em forma de protesto" a "Ser quem sou não deveria ser um ato de coragem".
Entre os manifestantes, Cristiano Constantino referiu à Lusa que o contexto político e social leva à necessidade de "cada vez mais ser resistência porque os direitos estão a ser atacados". O advogado assinalou que a lei portuguesa não pune crimes contra pessoas LGBTI+, para além de ignorar o racismo, sublinhando ainda que o resultado das últimas eleições o deixa "extremamente assustado", vendo o que está a acontecer noutros países liderados pela direita.
Talita Marques veio do Brasil há três anos, período em que disse ter passado "por muitas lutas", e acredita que os movimentos sociais são uma forma de união em prol da luta coletiva. A manifestante alertou ainda que a nova configuração do parlamento português é uma realidade preocupante, mas não intimidatória, uma vez que a sociedade "já se recuperou muitas vezes de coisas terríveis".
Já Evelyn Santos, que participa, pela primeira vez, na marcha, notou ser importante este tipo de movimentos, que dá visibilidade à comunidade e aos respetivos problemas. "Não há como falar de liberdade sem juntar o movimento LGBTI+. Falar de liberdade é falar de aceitação, falar sobre os nossos corpos poderem ser quem nós queremos ser", notou.
Mariana Pereira marcha igualmente pela primeira vez, mas disse juntar-se ao evento também pela mãe, que vive no estrangeiro e que assumiu, mais recentemente, a sua homossexualidade. Para a manifestante, o elevado número de pessoas que se juntou ao protesto demonstra que "querem ser vistas e ouvidas", assinalando ainda a necessidade desta dimensão ser maior. "Há 50 anos isto não era possível. Foram 50 anos de luta contínua. Marchar aqui é verdadeiramente um motivo de orgulho", vincou.
Em declarações à Lusa, Rafael Stanley sublinhou a importância deste movimento e de mostrar publicamente a luta pela igualdade, independentemente de pertencer ou não à comunidade LGBTI+.
Nesta situação está Cármen Veloso, que disse ter muitos amigos "queer": "É importante que sejamos todos aliados, sobretudo numa altura em que politicamente as coisas começam a ser assustadoras e ameaçadoras. Temos de mostrar o nosso companheirismo e que estamos todos juntos na luta por um mundo mais igual, em que podemos ser nós mesmos, sem medo de represálias".
Do lado dos partidos, a deputada única do Bloco de Esquerda (BE), Mariana Mortágua, que levou consigo um cravo vermelho, considerou que esta marcha não é apenas uma celebração, mas uma luta pela liberdade, "que está hoje mais em causa do que no ano passado ou há dois anos".
A líder bloquista acrescentou que esta é uma forma de resistência contra quem quer impor o medo e a violência. "Se está tanta gente na rua é porque quer dizer que rejeitam a violência, que têm muito orgulho e que querem celebrar", disse.
A marcha seguiu em direção ao Terreiro do Paço, onde só chegou pelas 19:30, enquanto se agitavam centenas de bandeiras LGBTI+ perante o olhar curioso de muitos turistas que por lá se encontravam.
"Quando se celebram 26 anos da Marcha do Orgulho LGBTI+ de Lisboa e 50 das primeiras eleições livres em Portugal, não podemos ignorar que liberdades e democracias estão a ser atacadas [...]. Uma parte significativa das pessoas (sobre)vive do seu trabalho, mas não tem o justo reconhecimento, nem qualquer garantia de uma vida digna", lê-se no manifesto da marcha, com o título "Resistir e não só existir!".
No documento, são criticadas as "iniciativas reacionárias" dos governos devido à "influência crescente da extrema-direita", bem como o que dizem ser a ofensiva do governo da AD (Aliança Democrática) sobre a disciplina de Cidadania e Desenvolvimento, sublinhando que a Educação Sexual faz parte da formação mais básica e que a diversidade humana não pode ser negada. O manifesto também aborda o conflito no Médio Oriente, classificando o que está a acontecer em Gaza como um genocídio "servido em direto" e como o "holocausto dos nossos dias".
Por outro lado, fala de uma guerra em curso contra refugiados, migrantes e deslocados, da manutenção do racismo e do Mediterrâneo, onde referem estar sepultados os valores do humanismo europeu. "Marchamos hoje por todos os direitos humanos, fazendo frente com todas as pessoas e comunidades visadas pela extrema-direita e pelas suas políticas. Marchamos hoje pela liberdade que estamos dispostes [forma utilizada no documento para respeitar o género neutro] a defender na Marcha do Orgulho LGBTI+ de Lisboa e em todos os dias neste mundo", acrescentou.