São parte de tradições perdidas no tempo que ajudam a explicar o passado. Encontravam-se destruídos e, graças à atenção e trabalho da população local, foram reerguidos.
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Em Jancido, Gondomar, e São Félix da Marinha, Vila Nova de Gaia, há moinhos antigos que voltam a ter destaque na paisagem. E tudo graças ao trabalho voluntário de quem dedica muitas das suas horas livres à preservação do património local, sem esperar maior recompensa do que ver zonas esquecidas voltarem a ganhar vida. Até porque, à boleia da recuperação dos edifícios, surgem trilhos, pontes e novas árvores. O Grupo de Amigos de Moinhos de Jancido, no terreno há quase uma década, e a Associação Património, Identidade e Memória, que nasceu oficialmente há cerca de três meses, são exemplos de dedicação à cultura e ao património escondido entre a vegetação nos dois concelhos.
Recuperam a memória de S. Félix da Marinha
Na freguesia de São Félix da Marinha, no concelho de Gaia, nasceu em maio a Associação Património, Identidade e Memória (PIM). O nome diz quase tudo. Os membros pretendem resgatar a história dos moinhos locais que desde o século XX foram abandonados e praticamente perdidos.
“Recenseámos um total de 22 moinhos hidráulicos ao longo do rio da Granja e outros quatro nas margens da ribeira do Juncal”, aponta Domingos Dias, presidente da associação, com nove elementos nos corpos sociais. “Doze dos moinhos encontravam-se totalmente demolidos e conseguimos definir as suas bases. Quatro foram transformados em habitação, três estão em ruínas e outros três mantêm ainda os respetivos equipamentos de moagem, assim como os sistemas de transporte de água”, enumera.
Publicação e roteiro
A curto prazo, deverá ser lançada uma publicação que permita dar a conhecer os moinhos, criar um roteiro associado e, sobretudo, proceder à recuperação dos antigos equipamentos que deixaram gradualmente de funcionar nas décadas de 1960 e 1970. “Pretendemos restaurar um deles, que possa no futuro funcionar como museu e centro interpretativo para visitantes”, conta Domingos Dias. “No fundo, gostaríamos de agregar cidadãos preocupados com o património da freguesia. O objetivo é recuperar parte da história de São Félix da Marinha”, sublinha. Em marcha encontra-se, também, a candidatura da PIM à Rede Nacional de Moinhos.
As ideias têm sido apresentadas à comunidade e às entidades públicas, nomeadamente a Junta de Freguesia e a Câmara. “Estamos a trabalhar no sentido de angariar apoios e de estabelecer protocolos”, conta. Enquanto tal não se concretiza, o trabalho no terreno não cessa e foram já realizadas limpezas nas imediações dos moinhos, por voluntários que querem fazer renascer um conjunto de estruturas moribundas que muito dizem sobre o que foi o passado agrícola, e não só, de São Félix da Marinha.
Jancido tem zona “única de natureza”
O que começou por ser um desafio de abnegados voluntários transformou-se em assunto sério e deu a conhecer património histórico do concelho de Gondomar que parecia irremediavelmente perdido. Em oito anos, foram recuperados dez moinhos antigos em Jancido, na freguesia de Foz de Sousa. E não só, também foi reflorestada uma vasta zona durante décadas entregue quase ao abandono e muito afetada por um violento incêndio. Criou-se um trilho que se tornou popular para caminhantes e encontraram-se formas de dinamizar uma área singular nas encostas do rio Sousa que jamais tinha conhecido tanto interesse.
Paulo Campos, 56 anos, é o principal dinamizador do Grupo de Amigos de Moinhos de Jancido e tem os números na ponta da língua: “Desde 2016 foram dez os moinhos que revitalizámos, oito deles próximos uns dos outros e os restantes dois mais afastados”. “De início, e apenas durante uma vez por mês, desbravávamos mato até chegarmos aos caminhos. Fomos juntando cada vez mais pessoas, até um total de 15, e conseguimos, em 2019, criar finalmente um circuito pedonal”, detalha.
Trilho na antiga linha
O trilho tem um total de 10 quilómetros, cinco de ida e cinco de volta. Ao longo do traçado de uma antiga linha férrea permite conhecer de perto todos os moinhos que restam em Jancido e que têm décadas de existência. “Foram encontrados totalmente destruídos e conseguimos recuperar tudo, até as coberturas. Um deles, inclusive, está pronto a funcionar”, assinala Paulo. A Câmara de Gondomar forneceu a maquinaria para colocar de pé o projeto, a mão de obra foi exclusivamente dos voluntários que têm Jancido e os seus moinhos no coração.
No ano passado, um fogo florestal quase destruía o que tão arduamente foi colocado de pé. Mas da desgraça se fez vida nova e foram plantadas desde então 10 mil árvores, sobretudo castanheiros, medronheiros e azevinhos. “As pessoas podem usufruir de uma zona única de natureza e património. E gratuitamente”, realça Paulo.