Habitantes da Alta de Lisboa lançaram uma petição contra a instalação da primeira sala fixa de consumo assistido de drogas de Lisboa no Lumiar, que já começou a ser construída. Consideram que o local escolhido não cumpre os requisitos legais por estar perto de escolas, equipamentos sociais e uma zona habitacional consolidada.
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Segundo o decreto-lei que enquadra a construção destes equipamentos, a sala de consumo "não pode ser instalada em centros residenciais consolidados e a localização escolhida deve evitar a exposição a não utentes", o que não estará a ser cumprido, consideram os residentes. O Plano Diretor Municipal (PDM), "segundo o qual ali deveria ser construído um jardim", também estará a ser violado, defendem.
"A 300 metros há prédios com mais de 20 anos, uma universidade sénior, escolas, uma creche, entre outros equipamentos sociais. E em frente à sala de consumo vão nascer residências universitárias. A zona está perfeitamente integrada na malha urbana", afirma Carina Rodrigues. Carla Mendes, outra moradora, lembra que "quem vem de metro e crianças que vêm a pé da escola terão de passar ao lado da sala de consumo no caminho para casa, não estando assegurado que os toxicodependentes não ficam expostos". "A privacidade e dignidade dos utentes da sala de consumo também não estará assim a ser preservada", considera ainda.
O presidente da Associação de Moradores do Bairro da Cruz Vermelha, Fernando Baião, diz mesmo que não faz sentido instalar-se uma sala de consumo no Lumiar por considerar que esta freguesia "já não é um dos focos de drogas da cidade". "Dizem que o problema é no nosso bairro, mas só temos dois toxicodependentes. O levantamento que fizeram há cinco anos já está desatualizado. Tememos que agora venham mais toxicodependentes de outras freguesias para aqui", receia. O morador, há 54 anos no bairro, chegou mesmo a interpor uma providência cautelar contra a sala de consumo, mas esta não terá sido aceite "por não estar bem fundamentada", explica.
O estaleiro de obras deste equipamento começou a ser montado, em junho, para surpresa de alguns moradores. "Estão a avançar com a construção sem concluírem o processo de consulta pública. Várias pessoas enviaram contributos para o projeto e nunca tiveram resposta", queixa-se Carina Rodrigues. Carla Mendes sente o mesmo. "Ignoraram os nossos sucessivos emails a pedirmos esclarecimentos. De repente, a sala é nos imposta sem nos ouvirem. Não podem construir ali só porque o terreno está livre", critica.
O vereador do CDS-PP João Gonçalves Pereira, que tem criticado a falta de transparência da Câmara de Lisboa nesta matéria, diz ter sido avisado pela população do início da empreitada. "A Câmara sempre se recusou a dizer onde era o local exato da sala de consumo assistido e está a aproveitar o mês de agosto, quando as pessoas estão fora, para avançar com a obra", critica.
O vereador centrista diz que "o processo não foi transparente, houve falta de debate, com envolvimento das populações, e está tudo a ser feito às escondidas". "Não houve discussão, nem uma deliberação de Câmara. Uma sala de consumo assistido comporta riscos, não só porque pode estigmatizar a zona como atrai consumidores, tráfico e criminalidade. E, com escolas num raio de 400 metros, é potenciadora de riscos para a população", diz ao JN. "Não temos reservas quanto à construção destas salas, desde que contribuam para a reabilitação do toxicodependente, mas a Câmara também não é clara sobre isso", considera ainda.
O gabinete do vereador dos Direitos Sociais da Câmara de Lisboa tem, porém, uma visão diferente. Garante que o projeto foi "amplamente debatido e discutido em várias assembleias de freguesia do Lumiar". "A proposta foi aberta à discussão pública e recolha de contributos da comunidade, no site oficial da Junta", acrescenta. Os moradores que participaram na consulta pública queixam-se, porém, de nunca terem obtido uma resposta e da Junta não realizar debates como prometido. O presidente da Junta de Freguesia do Lumiar, Pedro Delgado Alves, questionado pelo JN, informa agora que as tais sessões de discussão pública e debate de contributos decorrerão "num modelo misto presencial/online" a partir de setembro.
O local de construção, avança a Câmara de Lisboa, também foi "amplamente discutido com os intervenientes locais privilegiados, nomeadamente com a Sociedade Gestora da Alta de Lisboa, também responsável pela construção". A Autarquia garante que a sala de consumo estará localizada em "zona não consolidada, com o devido afastamento de habitação e equipamentos públicos", cumprindo assim o PDM e a lei. "O equipamento terá um recinto exterior vedado para que esteja acessível somente a quem a ele acede", assegura. A obra custará 900 mil euros e deverá estar concluída em junho de 2021.
O gabinete do vereador dos Direitos Sociais da Câmara de Lisboa diz ainda que o Lumiar continua a ser uma das freguesias com mais consumo - a par do Beato, Arroios e Vale de Alcântara - e que o objetivo deste equipamento é "reduzir o consumo a céu aberto e o número de mortes por sobredosagem, diminuir a delinquência, aumentar a sensação de segurança e melhorar as condições de vida da comunidade". Tais metas "já estarão a ser cumpridas" pela unidade móvel de consumo vigiado, que já circula nas freguesias do Beato e Arroios desde março do ano passado.