Moradores queixam-se do ruído: "Ficam a beber na rua e andam grupos, aqui à volta, a berrar"
Moradores da Baixa do Porto queixam-se do ruído da animação noturna, que junta centenas de jovens.
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Maria, Sara, Agostinho, Paula, Carlos, Ana... São nomes de vidas que ainda habitam a Baixa portuense; compraram ou arrendaram casas, mas não têm sossego na cidade que os viu nascer ou que há décadas escolheram para viver. Hoje, alguns já só querem sair do Porto, por não aguentarem o ruído da movida e dos ajuntamentos na rua. A Câmara está a ultimar a revisão do regulamento da movida, que será mais restritivo, sobretudo quanto à venda de álcool para a rua.
Numa década, os moradores viram boa parte da Baixa ser entregue ao turismo e à diversão noturna, com bares e discotecas a abrirem ao lado de casas. Há noites em que os decibéis são insuportáveis. As multidões que se juntam em festa no exterior agravam o problema. Quando a animação morre, os noctívagos deixam para trás ruas pejadas de garrafas e copos e noites em claro para quem ainda vive na Baixa.
Ana Sá Carneiro, irmã do falecido primeiro-ministro e fundador do PSD, Francisco Sá Carneiro, jura que deixaria a casa da família, na Picaria, se a idade, já avançada, e a saúde frágil o permitissem. Porque, lastima, "agora é muito difícil viver na Baixa". Ao redor da casa dos Sá Carneiro multiplicaram-se bares, e a Rua da Picaria "é um inferno". "Ficam a beber na rua e andam grupos, aqui à volta, a berrar. Isto é aterrorizador e um atentado a qualquer direito de um ser humano", indigna-se a moradora.
"Gritar, falar, alto..."
Há quem não aguente e desista de viver no Porto. No coração do Porto. Agostinho Fernando está prestes a explodir. Como o helicóptero de que descia para fazer um resgate no Iraque e que foi atingido por um rocket. Ficou com stress pós-traumático, precisa de paz e não a tem na casa que comprou, há quase 10 anos, na Rua dos Mártires da Liberdade. Pôs o apartamento à venda porque não aguenta mais. "Viver aqui é pior do que viver num cenário de guerra, e isto dito por quem lá esteve", compara, argumentando que "a Câmara pode reduzir os horários dos estabelecimentos".
Enérgica, a vizinha Celeste Pereira não tem contemplações: "A Câmara é a única responsável por isto, porque passa as licenças dos estabelecimentos. Deviam autorizar bares em zonas onde não moram pessoas". Ali, onde Celeste e Carlos escolheram viver há 50 anos, repetem-se os relatos da "calamidade" da movida e do "botellón".
"Põem colunas à porta. E, depois, é o gritar, falar alto, cantar... É uma coisa assustadora. A rua é estreita, e juntam-se aqui às centenas. Uma vez, atiraram uma mota contra a porta do prédio. Já viu que vida é esta que a gente tem aqui? É horrível, um inferno. Não cabe na cabeça de ninguém que uma pessoa seja sujeita a isto", revolta-se Celeste.
"Já tenho chamado a Polícia e não aparece. Ninguém quer saber. A rua era um sossego e, de repente, a Câmara começa a dar licenças a torto e a direito e a transformar isto num bar a céu aberto", recorda. Ali perto, pelo Carmo e Cordoaria, o pesadelo é o mesmo. Maria Moreira é professora, e sofre duplamente: além do ruído da rua onde mora, em frente ao quartel da GNR, tem o do restaurante, contíguo à casa onde vive com a mãe de 86 anos, a entrar nos quartos. Em frente ao Jardim da Cordoaria, Sara Gonçalves também não dorme, e conta que o calvário começou "há 13 anos", com a abertura dos primeiros bares.
Falta respeito
Com as traseiras da casa voltadas para as Galerias de Paris, Paula Amorim desdobra-se em queixas sobre o ruído dos bares: "Não há lei que permita que eu tenha música dentro de casa. Não durmo, e quero o meu sossego. Ter música em casa às 4 e 5 da manhã é obra".
"Isto dura há muitos anos. Uma pessoa que me diz que não dorme há oito anos é uma barbaridade. O que aqui se põe é o direito normal de as pessoas quererem viver, dormir e descansar. Qualquer morador tem o direito a ser respeitado, e nós não somos", vinca Ana Sá Carneiro, que já expôs o problema ao Município. "Esta não é a cidade que foi nem que merecia ser. É um ponto de turismo selvagem, e tenho a maior pena de morrer aqui, porque é aviltante. Isto é triste e feio. Qual o interesse de ver pessoas embriagadas, a cair pelos cantos?", questiona.
Detalhes
Intervenção
Em 2015, a Câmara respondeu a um "pedido de intervenção relativo a incomodidade sonora proveniente do funcionamento de esplanadas na Rua dos Mártires da Liberdade", após medição do ruído na casa de Celeste Pereira. Foi verificada uma "violação dos limites estabelecidos", com prejuízo para a saúde dos residentes. Celeste diz que, apesar disso, "nada foi feito".
Ameaças e insultos
Tal como Agostinho Fernando, também Paula Amorim e Sara Gonçalves dizem que já foram alvo de ameaças, tendo sido até insultadas, ao tentarem pedir que o ruído cessasse.