A tradição passa de família em família e o cântico que alegra a passagem de testemunho durante o almoço de Domingo de Páscoa, que este ano reuniu mais de meio milhar de pessoas à mesa, em Fontão, Ponte de Lima, resume bem o que se vive naquela freguesia neste dia.
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“A Páscoa é nossa e há de ser, a Páscoa é nossa até morrer”, cantam os animados comensais, enquanto percorrem um amplo salão liderados pelo Mordomo da Cruz, que após cumprir as obrigações, que incluem assumir o gasto do almoço para a aldeia, tem de escolher um sucessor.
Este domingo, tocou a Franquelim Lima, de 49 anos, que organizou a festa durante o ano com a mulher, Ana Anciães, entre idas e vindas de Lisboa a Fontão, passar o testemunho a um "grande amigo", José Manuel Pires, que tem a mesma idade, e que já esperava nervoso "pela cruz" sentado na mesa.
“Se queremos manter a tradição, temos de nos sacrificar por ela. A Páscoa é um dos motivos de orgulho de Fontão. Temos a freguesia reunida e muitos forasteiros que gostam da Páscoa. A gente vê que mesmo hoje, a chover de manhã, as casas estavam cheias”, disse José Manuel, logo após o ruidoso ritual, ao som de cânticos e campainhas, que dita que será o próximo Mordomo da Cruz.
Pai de dois filhos, com 12 e 17 anos, o empresário, que possui uma empresa de equipamento agrícola em Ponte de Lima, admitiu que já estava à espera de receber o testemunho. “Não fomos apanhados de surpresa. É uma festa que acarreta muita responsabilidade e acho que não é justo a gente colocá-la de surpresa. Faz falta um aviso prévio, senão é muito complicado”, afirmou, referindo estar preparado para "um ano de muito trabalho sacrifício, mas bom".
Numa tenda instalada em plena freguesia de Fontão, o Modomo da Cruz, recebeu cerca de 520 convivas.
Cerca de 30 jovens serviram na sala e uma dezena de cozinheiras trataram de preparar o repasto: Creme de legumes em quantidade industrial, 120 quilos de filetes de pescada, 100 quilos de vitela e 230 quilos de cabrito, bolo da mordomia, 52 litros de leite creme e 8 quilos de arroz doce.
Gorete Castro, que já perdeu a conta aos anos em que cozinha para a Páscoa de Fontão, comandou as operações. “Já ando aqui há décadas. Já ando há meia dúzia de anos a dizer que não venho, mas gosto disto e as pessoas consomem-me sempre a chamar. Isto é só mais um ano, mas já digo que vou morrer no meio das panelas”, comentou a cozinheira.
Na tenda do almoço estava exposto, este ano, um quadro com o nome de todos os Mordomos da Cruz desde 1949. “Todos os mordomos que serviram a Páscoa dizem que foi um ano muito bom, por isso, eu acredito que o nosso também seja”, comentou José Manuel, que ainda agora foi designado e já está a pensar na sucessão.
“Hoje a cruz não pesa nada, mas daqui a um ano vai pesar bastante. Um dos grandes problemas da cruz é arranjar o próximo mordomo. Tem despesa, trabalho, mas depois o sucessor é complicado, mas acredito que haja muitos candidatos”, notou, acrescentando: “A Páscoa não é só tradição em Fontão, mas nós temos a nossa tradição muito enraizada e acho que a devemos defender, porque é aqui nos identifica como diferentes”.
A mulher, Sandra Ribeiro, mostrou-se comovida com o "concretizar de um desejo", que também era "dos pais e dos sogros". "Queremos manter as tradições a nível familiar. Os meus pais já foram, os meus sogros já foram e a gente assim continua", disse.
O testemunho foi passado por Franquelim Lima, de 49 anos, que organizou a festa com a mulher, Ana Anciães, entre idas e vindas de Lisboa a Fontão. "Vivo em Lisboa, embora venha cá com frequência. Não deixa de ser um desafio porque a minha terceira casa é a autoestrada", afirmou. Ainda assim, a Páscoa traz-lhe emoções fortes e claramente positivas. "É um desafio e uma experiência social única. Quem vive numa freguesia como Fontão e desfruta destas tradições é que pode sentir na pele aquilo que é a responsabilidade de ser Mordomo da Cruz”.
Franclim afirmou sentir-se "muito honrado" por ter assumido esse papel e o que mais o marcou “foi o contacto com as pessoas, a proximidade com elas”. “Estou super emocionado, encantado com tudo o que isto que tem acontecido e com os jovens que nos apoiaram”, indicou. E mulher, Ana, de Lisboa, mostrou-se satisfeita por ver o marido fontanense "feliz" enquanto Mordomo da Cruz. "O próximo foi escolhido com o coração".