"Não basta celebrar, é preciso cuidar": milhares em marcha na Avenida da Liberdade
Milhares de pessoas marcharam esta quinta-feira pela Avenida da Liberdade, em Lisboa, para celebrar os 50 anos do 25 de Abril. A tarde é de festa entre família e amigos de várias gerações, mas há uma mensagem comum que deixam no cinquentenário da revolução: não basta celebrar, é preciso cuidar da democracia.
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"É um dia inesquecível", partilha Lígia Santos, com um cravo na mão. A professora reformada, 67 anos, não esconde a emoção que é ter vivido aquele dia e ver como é que o país mudou até hoje. "Apesar de ainda estarmos coxos em muitas coisas, estamos incomparavelmente melhores". A lisboeta lembra-se que o dia da revolução começou como qualquer outro dia. Preparava-se para sair para o liceu, mas acabou por passar o dia agarrada à rádio e à televisão para perceber o que estava a acontecer. "O meu vizinho de baixo estava a ouvir a telefonia aos gritos. Acordei os meus pais e disse "estão a dizer que não se pode ir para a rua'. A minha mãe não me deixou ir".
Os dias a seguir foram uma imensa alegria, principalmente por poderem "abrir a boca" e não correrem o risco de sofrer represálias. Abriu-se um caminho de descoberta para um país que parecia ter apenas "três cores, preto, cinzento e castanho", de um povo contido e descontente com a repressão em que viviam. "Uma das minhas primeiras afirmações foi ter um casaco vermelho. O vermelho era, finalmente, uma cor". Ao longo dos anos, Lígia tem sempre celebrado a liberdade e a democracia para as ruas, acompanhada pelos filhos e netos. "É um dia que marca uma mudança radical, não há hipótese de ficar em casa e esquecer este dia".
Precisamente para o dia mais importante para a democracia não cair no esquecimento é que milhares de pessoas fizeram a festa nas ruas de Lisboa. Desceram a Avenida da Liberdade, a passo lento e numa ruidosa celebração, ao som de cânticos e músicas de intervenção e tambores, com cravos e cartazes ao alto. No meio da onda vermelha que preencheu a rua no centro lisboeta, quando se canta "Grândola, Vila Morena" não há geração que não saiba a letra. "25 de Abril sempre, fascismo nunca mais", "O povo unido, jamais será vencido" e "Somos muitos muitos mil para continuar Abril" são algumas das palavras de ordem que entoaram durante a tarde.
Este ano o tradicional desfile, desde a rotunda do Marquês de Pombal até à Praça do Rossio, trouxe um mar de gente até ao centro lisboeta. A marcha, organizada pela Comissão Promotora das Comemorações Populares, juntou centenas de associações, movimentos sociais, estruturas sindicais e partidos políticos. Acabou por se prolongar até ao final da tarde. No ano em que se celebram mais décadas de democracia do que de ditadura, muitos vêm para as ruas reivindicar mais tolerância, menos discursos de ódio e racistas, mais habitação, saúde e educação.
Para Tiago Farinha esta foi a sua primeira marcha do 25 de Abril. O crescimento "das forças anti-democráticas" acordou em si "um grito de revolta" e uma vontade de sair de casa para se manifestar. Para o jovem estudante de 28 anos, da Margem Sul, vir para as ruas não é só um momento de diversão com amigos, mas "é ter uma palavra" em prol dos direitos e da igualdade.
Filipa Dolores também é uma estreante no desfile comemorativo da revolução. Veio para o meio da multidão, acompanhada pelas amigas da faculdade, não só por ser uma data importante, mas também devido ao resultado das eleições de março. "É mais importante do que nunca lutar pelos nossos direitos e por tudo o que foi conseguido com o 25 de Abril quando temos 50 deputados fascistas [na Assembleia da República]", lançou a jovem de 20 anos. Mais do que celebrar, Filipa quis "relembrar o povo português por o que é que lutou". A jovem partilha estar preocupada com o crescimento de movimentos de extrema direita e os retrocessos que o fenómeno pode representar. "O fascismo não pode ganhar, porque se ganhar não vejo como é que os jovens se podem manter aqui. Vamos todos emigrar".
Apesar de serem de gerações distantes, a preocupação destes dois jovens é partilhada por José Marramaque. "As pessoas esquecem-se e não têm noção nenhuma do que se passava no país, da miséria imensa antes do 25 de Abril", lançou o ex-combatente nortenho. Estava em Luanda a servir no Ultramar quando se deu a revolução. Depois da "lufada de ar fresco" pela qual esperavam, acabou por voltar a Portugal no verão de 1974. Hoje, aos 74 anos, lamenta que aconteçam ainda tantas guerras pelo mundo.