Empresa de Arcozelo, Gaia, suspendeu atividade há dez anos. Mas fundador e funcionários continuam a cuidar das peças e do terreno.
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Como um pai fala de um filho. É assim que, aos 74 anos, Manuel Almeida dos Santos, fundador da Cerâmica do Douro, em Gaia, fala sobre cada uma das peças que se encontram no interior da fábrica. Ali, onde "cada peça conta uma história", já quase não há produção. E é assim desde 2010, ano em que a atividade da empresa foi suspensa. Nessa altura, o objetivo "era encontrar um lugar com melhores condições" para a Cerâmica do Douro.
A tão desejada mudança ainda não aconteceu, mas Almeida dos Santos - é assim que todos o conhecem - não perde a esperança. E o amor pelas peças faz com que, dez anos após a laboração na Rua do Dez, em Arcozelo, ter sido suspensa, patrão e antigos funcionários continuem a ir até lá para matar saudades e pôr as mãos na massa.
"Quando a atividade foi suspensa, os funcionários foram à sua vida e cada um fez o seu caminho. Mas, quando há oportunidade, passamos aqui uma manhã ou uma tarde. Esta peça, por exemplo, fui eu que fiz há dias", explica o fundador da empresa, que fala da fábrica no presente e no futuro. É que embora o passado tenha sido feito de "conquistas e de momentos muito bonitos", o objetivo de todos os que passaram pela fábrica de Arcozelo é "dar um futuro à Cerâmica do Douro".
formou-se em psicologia
Natural de Viana do Castelo, Glória Felgueiras, 56 anos, esteve na fábrica desde o início. "Éramos mesmo uma família e um dos objetivos [de Almeida dos Santos] era que os trabalhadores se formassem. Eu, por exemplo, formei-me em psicologia enquanto trabalhava aqui e a verdade é que foi um bocadinho por causa da fábrica", partilha, explicando, sorridente, como surgiu o gosto pela área: "Se alguma colega tinha um problema eu acabava por ouvir e tentar ajudar. Depois, a empresa parou a atividade e eu fui à minha vida". Mas nunca perdeu o vínculo. "De vez em quando, encontramo-nos aqui para pintar".
Afinal, há que cuidar daquele património. "Para não deixar ganhar muitas teias de aranha", atira Almeida dos Santos, que guarda na memória a história por detrás de cada peça. "Um prato destes não serve só para comer. É muito mais do que isso". E a cerâmica tradicional, além de ser de "grande qualidade", prima pelas imagens e mensagens que perpetua.
"Temos uma coleção sobre os brasões das famílias portuguesas do século XIV, que nasceu porque até ao século XVII os nobres não podiam permanecer no Porto mais do que duas noites seguidas, porque desassossegavam as mulheres", conta Almeida dos Santos. "À terceira noite, os nobres tinham que ir dormir fora e ficavam no Mosteiro de Grijó, em Gaia", até que os frades começaram a deixar de dar conta de tanta gente. "Pediram ao rei para fazer uma lista com os nomes dos nobres que podiam lá ficar e em que condições". Graças a essa lista, "hoje sabe-se os cerca de 70 nomes que estavam em uso naquele tempo". Esta é apenas uma de muitas histórias que a Cerâmica do Douro eternizou.
Amor que não se explica
Aos 65 anos, Ana Moreira é um dos rostos que continuam a passar os portões da fábrica. "Trabalhei aqui muitos anos como empregada de limpeza. Toda a louça que tenho em casa é daqui e o amor que tenho por isto não se explica", revela, acrescentando que esse amor é o que a faz continuar a cuidar da fábrica, mesmo sem estar a laborar. "Venho até aqui e cuido do terreno, rego e trato das plantas e ainda cultivo algumas coisas. Assim não fica a monte".