"Não nos atirem burcas para os olhos": nos Aliados, pediu-se solução para os problemas de verdade

Manifestação convocada pela historiadora Raquel Varela juntou um grupo de pessoas na Praça da Liberdade, no Porto
Foto: Manuel Fernando Araújo/Lusa
Cerca de meia centena de manifestantes marcou presença, este sábado à tarde, na manifestação "Não nos atirem burcas para os olhos" na Avenida dos Aliados, no Porto, vincando que a burca "não é um problema" e só serviu para "desviar as atenções".
"Identifiquei-me muito com a manifestação, desde logo pelo título - 'Não nos atirem burcas para os olhos' - porque, de facto, isso não é um problema em Portugal. O que é um problema, de facto, é a habitação, o sistema nacional de saúde e a educação", disse à Lusa, na Avenida dos Aliados, Tânia Ferreira, de 34 anos, bolseira de doutoramento na Universidade do Minho.
A manifestante lamentou que "a maioria, no Parlamento, não se junte para combater os problemas de verdade que atingem a população", como "arrendar uma casa", os "baixos salários" e "esperar meses" por uma consulta. A burca "é uma realidade muito mediática mesmo para desviar as atenções daquilo que é importante", considerou.

Foto: Manuel Fernando Araújo/Lusa
Tânia Ferreira entende "os argumentos que dizem que as mulheres que usam burca, se não a usarem, também ficam privadas do espaço público e da liberdade", mas "não é isso que preocupa a maior parte dos portugueses hoje em dia".
"Também é um problema a violência doméstica. Nós vemos, todos os anos, o número de mulheres assassinadas e o número de queixas por violência doméstica tem aumentado todos os anos, e o que é que o parlamento tem feito de especialmente em relação a isso? Não vemos muita coisa, mas a maioria, sobre um assunto que não tem especialmente relevância, juntou-se para aprovar uma coisa que não faz sentido", frisou.
A manifestante admitiu não ter "uma posição definida" sobre a liberdade que uma mulher que use burca efetivamente tem em culturas como a afegã, em que "há um sistema patriarcal que a obriga a usar", mas em Portugal considera "estranho que seja o Estado a dizer" o que uma mulher deve "usar ou deixar de usar". "Criou-se um alarido e uma confusão em torno de um assunto que, a meu ver, não é assunto", referiu.

Foto: Manuel Fernando Araújo/Lusa
"As coisas têm piorado consideravelmente"
Já a formadora Sandra Monteiro, de 50 anos, concordou que a questão da burca "não é relevante em Portugal", mas acredita que "nalgumas situações, as mulheres são obrigadas a utilizar", no caso de "países isolados, fechados, em termos culturais".
"Em Portugal o que se está a fazer neste momento é: tudo o que é diferente não se enquadra, pelos vistos. Por isso temos de mostrar que, na verdade, alguém quer colocar uns contra os outros, mas não podemos aceitar", assinalou.
A formadora observa que "desde há pelo menos dois anos as coisas têm piorado consideravelmente em Portugal" especialmente quanto "às mulheres", em que se está a "regredir", considerando que além de "novos partidos que vão surgindo", a própria dinâmica internacional pode "pôr em causa a democracia".

Foto: Manuel Fernando Araújo/Lusa
"Eu não vou permitir que Portugal vire uma ditadura e hei de participar em tudo o que for preciso precisamente por isso", assinalou.
Por fim, Álvaro Sampaio, reformado de 74 anos, veio de Vila Nova de Famalicão (distrito de Braga) para o Porto para participar nesta manifestação, mas confessou o "desalento" encontrar "tão poucas pessoas", até porque "os propósitos da manifestação eram importantes". Para o reformado, a burca "não era um assunto que merecia ter o relevo que teve nem ser votada uma lei na Assembleia da República".

Foto: Manuel Fernando Araújo/Lusa
"Acho que é muito fútil, não é motivo suficiente. Há muitos mais problemas que a sociedade portuguesa tem, desde a habitação, saúde, a educação, tantas coisas. Eu nunca vi ninguém de burca. Nem aqui, nem em Lisboa, portanto acho que é um não interesse", resumiu.
A manifestação "Não nos atirem burcas para os olhos", convocada pela historiadora Raquel Varela nas redes sociais após a aprovação do projeto de lei do Chega que propõe proibir o uso de burca em espaços públicos para Lisboa, Porto e Braga, apela à mobilização coletiva por uma sociedade livre, igualitária e inclusiva.
