Naufrágio na Marinha Grande: pescador não queria ir e despediu-se da família de "forma diferente"
Filha de desaparecido estranhou maneira como o pai saiu. Colega escapou porque indisposição não o deixou ir ao mar.
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Há histórias de sorte dentro das tragédias. Marco Marçal, 45 anos, tem uma para contar. O pescador da “Virgem Dolorosa” foi salvo por uma indisposição horas antes de embarcar para a última viagem da traineira, que naufragou poucas horas depois, provocando três mortos e deixando três desaparecidos. A meio da manhã de quarta-feira, à porta da urgência do Hospital da Figueira da Foz, onde familiares das vítimas choram, olha para o mar ali ao lado. Podia estar num lado ou outro ou na morgue, se tivesse embarcado como faz todas as noites. “Escapei por um triz. Estava maldisposto, e perto de embarcar avisei o mestre de que não conseguia ir trabalhar. Foi a minha sorte”, admite ao JN sem conseguir esconder a tristeza.
A 12 quilómetros dali, na Leirosa, terra de pescadores, onde moravam dois dos desaparecidos, regressaram as lágrimas. Não são dos mesmos que em abril de 1959 vestiram de preto pelos 14 heróis do mar que morreram no naufrágio da “Nova Leirosa” à entrada da barra da Figueira. A dor é a mesma, mas as vítimas são outras. Eugénio e José Jacinto. Alexandra, um dos três filhos de José, diz que o pai não parecia o mesmo na véspera de sair para a pesca da sardinha. “A minha mãe disse-me que ele não estava com vontade de ir e até se despediu de forma diferente, dela e dos netos”, revela ao JN. A vontade de rever o pai dá-lhe a esperança de um “milagre”, “que ele tenha nadado até algum lado e esteja vivo”.