Incêndio em Ponte da Barca: "Não vivi o que aconteceu em Pedrogão, mas foi parecido"
Fogo obrigou a evacuar população e isolou aldeias em Ponte da Barca.
Corpo do artigo
Tiago Araújo, 38 anos, bancário, faltou ao trabalho ontem. Passou a noite sem dormir a tentar travar o fogo que galgava montanhas abaixo em direção à sua aldeia. Froufe, lugar onde vive, em Entre Ambos-os-Rios, Ponte da Barca, foi surpreendido pelo agigantar de um incêndio ativo há dois dias e que a meio da tarde parecia ter amainado. Começou na terça em Lindoso , passou a Britelo no mesmo concelho, dentro da área do Parque Nacional da Peneda Gerês (PNPG) e de repente, ontem ao início da noite, tornou-se furioso, lavrando em todas as direções e obrigando à retirada às pressas de cerca de meia centena de pessoas de casas.
A tragédia de Pedrogão Grande perpassou a memória de Tiago e a dos muitos que viram o inferno aproximar-se das casas, inflamado por "remoinhos de vento". "Houve um período em que temi o pior. O fogo vinha com muita violência e quando me apercebi, projetava-se e incendiava outras zonas. Era assustador. Lembrei-me de Pedrogão Grande e depois em conversa com o CODIS referiram-me que o fenómeno foi idêntico", contou o presidente da Câmara de Ponte da Barca, Augusto Marinho, que ontem apelava insistentemente ao envio de meios aéreos pesados para debelar "os fogos na montanha".
Em declarações à Peneda Gerês TV, a diretora do PNPG, Sandra Sarmento, referiu que aquela zona foi atingida ao final da tarde de anteontem por "um fenómeno de uma célula convectiva, com ventos de aproximadamente 100 quilómetros por hora, que complicaram muito" o incêndio.
Sem descanso
Tiago caminhava ontem estrada fora, com uma enxada às costas, quando foi abordado pelo JN. "Hoje não sou bancário", disse. Da noite anterior, trazia os olhos inflamados pela falta de descanso e pelo susto, que estragou uma reunião familiar para comemorar o aniversário da sua mãe Madalena. "Fomos a casa dela em Lourido (lugar vizinho que também esteve ameaçado) e soubemos que a aldeia tinha sido evacuada. Desci, já todos tinham saído. Tentei ajudar na medida do possível. Os bombeiros não conseguem fazer tudo. Foi preciso ajuda da população com tratores e com o que tinham à mão", contou.
"Não vivi o que aconteceu em Pedrogão, mas sei que na estrada até Lourido, foi parecido. Vegetação de um lado e do outro, se alguém se metesse ali, morria", continuou, comentando: "O vento estava muito forte e foi tudo muito repentino. Estivemos sempre pendentes se o vento ajudava ou não, porque podia a toda a hora passar de situação relativamente controlada para catástrofe".
José Pereira de 66 anos, teve de abandonar o jantar na mesa e deixar a casa com a mulher Rita. "Custou muito. Uma pessoa não sabia se voltava. Foi horrível. Tinha o coração apertado. O fogo ninguém o trava. É ladrão", desabafou.
As labaredas "à volta da aldeia que fica num buraquinho (numa zona funda entre montanhas)" acabaram por dar tréguas "cerca das cinco da manhã". A população regressou às suas casas, agora rodeadas por uma paisagem de carvão.