Autarca diz sentir-se insultado com resposta de Manuel Linda e garante que não aprovará mais apoios à diocese.
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Está aberta a guerra entre a Câmara do Porto e a diocese: o autarca Rui Moreira sentiu-se insultado com a atitude do bispo, Manuel Linda, na sequência das transações imobiliárias que a Igreja fez com imóveis na cidade sem consultar o Município ou conceder-lhe o direito de preferência, e garantiu que não voltará a dar um tostão à Igreja.
Ao JN, o padre Agostinho Jardim Moreira, que presidiu à Rede Europeia Anti-Pobreza em Portugal e é pároco no Porto, lamenta o desentendimento, considerando que "qualquer rutura entre instituições que estão ao serviço do bem comum é indesejável, porque o bem comum fica ferido". O padre apela, por isso, ao "diálogo", para que se "encontrem soluções pacíficas e amigáveis".
Carta ao núncio
Depois da missiva em que Rui Moreira questionou o bispo do Porto sobre se alienaria mais imóveis, como sucedeu nas Eirinhas e no Centro Histórico, e se daria à Câmara o direito de preferência, e após a resposta em que Manuel Linda ignorou as perguntas, o autarca independente decidiu dar um murro na mesa, durante a reunião de ontem do executivo, na qual era discutido o voto de protesto pela alienação do Bairro das Eirinhas, proposto pela CDU.
Mas a retaliação vai mais longe e chegará a Lisboa, ao núncio apostólico, o arcebispo Ivo Scapolo, que tem a "competência da nomeação do bispo do Porto" e a quem o autarca dará, por carta, "nota da preocupação e de que a Igreja não se está a comportar como aquilo que é tradição na cidade do Porto".
Na sequência da notícia avançada pelo JN no passado dia 5, de que a diocese havia permutado, no início deste ano, 15 casas do Bairro das Eirinhas, no Bonfim, por um apartamento T0 na Boavista e avaliado em 230 mil euros, sem dar nota à Câmara, Moreira já tinha lembrado que "a relação entre o Porto e a diocese foi sempre complexa". Mas a carta remetida por Manuel Linda, que o autarca considerou "insultuosa para o executivo", por ter sido "uma não resposta", somada à conversa que teve com o padre Samuel Guedes, responsável pela área financeira da diocese que lhe explicou que "a razão pela qual faziam [negócios imobiliários por] permuta era exatamente para impedir o direito de preferência", levou a que as relações institucionais se deteriorassem mais, deixando autarquia e diocese de costas voltadas.
Receitas de monumentos
"Até que eu saia [termine o mandato], não haverá nenhuma deliberação que eu vote favoravelmente no sentido de contribuir com qualquer tostão que seja para a Igreja Católica", assegurou Rui Moreira, que no passado dia 12 já havia recordado, ao JN, os "tantos projetos em que o Município tem colaborado com a Igreja", de que são exemplo "o restauro e a reabilitação de igrejas e a obra diocesana, que apoia fortemente e que está instalada em equipamentos municipais e ainda recebe um subsídio anual muito significativo". O autarca lembrou ainda que "tudo isto ocorre ao mesmo tempo que a Igreja Católica tem receitas, na cidade do Porto, de monumentos nacionais que são do Estado".
Questionada, a Diocese do Porto não comentou as declarações do presidente da Câmara, mas, em comunicado emitido a meio deste mês, na página oficial de Internet, argumentou que "não alienou património com a intenção de realizar capital para o transferir para outros negócios".
As outras polémicas de Manuel Linda
Padres afastados
Em 2018, meses depois de se ter tornado bispo do Porto, Manuel Linda afastou por decreto episcopal dois padres da área da formação eclesiástica diocesana, Hélder Barbosa e Jorge Madureira, este último gestor do Seminário Menor do Bom Jesus e diretor do Colégio Diocesano de Ermesinde. Alegou "conveniência de serviço" e suspeitas de má gestão.
Trabalho ao domingo
Na Páscoa de 2019, Manuel Linda defendeu o fim do trabalho ao domingo, em defesa da vida familiar, sustentando que "os países mais ricos não abrem supermercados ao domingo". O bispo do Porto criticou, então, a abertura dos supermercados e centros comerciais aos domingos, por considerar uma "expressão de um certo subdesenvolvimento humano e mesmo económico".
Abusos sexuais
Em 2022, Manuel Linda afirmou, ao canal de televisão CNN, que os abusos sexuais não eram "um crime público" e que, por isso, não havia "obrigatoriedade de denunciar" os alegados casos. Entretanto, o bispo reconheceu, numa comunicação publicada no site oficial da diocese, "não ter sido feliz na expressão" que utilizou.