Pandemia está a condicionar o culto religioso. Quebra na venda de arte sacra da Casa Fânzeres é de 50%.
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Com quebras na ordem dos 50%, serão menos os meninos Jesus que este ano sairão da Casa Arte Sacra Fânzeres, em Gondomar. Não porque a fé dos portugueses já tenha passado por melhores dias, mas porque há menos culto nas igrejas, menos lojas abertas e menos turistas e emigrantes a comprar.
"Esta é uma arte que nunca vai acabar, porque a fé é a ultima a morrer". Quem o afirma é José Neves, proprietário das oficinas em Fânzeres de onde saem imagens de arte sacra para todo o Mundo. A pandemia provocada pelo novo coronavírus veio contudo condicionar a produção. Durante a pandemia a loja da empresa em Braga esteve fechada, tal como outros estabelecimentos comerciais de arte sacra por todo país. "Em Fátima praticamente não se realizaram peregrinações, mas quisemos manter a fábrica a trabalhar porque continuamos a exportar bastante para o estrangeiro", explica Hugo Neves, filho do proprietário.
A indústria da escultura de arte sacra, cujos artigos são cada vez mais procurados por particulares e colecionadores, vive sobretudo das manifestações religiosas que a covid-19 cancelou durante 2020. "Fizemos um andor para a Semana Santa de Palma de Maiorca, todo em talha, com cinco metros de comprimento e com o peso de mais de uma tonelada, mas que na Páscoa não chegou a sair à rua", explica Hugo Neves.
O cheiro a madeira, quase na totalidade cedro brasileiro, perfuma a oficina. Cortam-se os troncos em pedaços pequenos na zona da serração. Mais à frente, as peças são desbastadas à mão, lixadas, é-lhes aplicado gesso, são pintadas e embelezadas com folha de ouro. As imagens de Nossa Senhora de Fátima são as mais encomendadas, seguindo-se as Coração de Maria e os santos de maior devoção popular. Cabe a José e a Hugo esculpir os rostos e as mãos, as peças mais delicadas. Tiago, o filho mais novo, faz a pintura.
A partir de 300 euros
Os preços variam consoante o tamanho e os materiais utilizados. Entre os 300 e os 1500 ou dois mil euros. O processo é 85% manual e na oficina, criada há 40 anos, todos os 23 funcionários têm funções específicas. "E como todo o trabalho manual por vezes cometem-se erros. Quando são grandes o melhor é começar de novo", conta Hugo, enquanto esculpe a a cabeça e o rosto de um Menino Jesus de Praga.
Há dias seguiu um presépio para uma igreja de Viseu. Também de um templo daquela cidade é o painel pintado que reveste o teto e que está a ser restaurado na oficina de Fânzeres.
Lino Pereira pinta uma pequena Nossa Senhora. O pincel percorre o manto, dourando-o num ondulado que mais parece filigrana. Um trabalho de paciência do artista que começou nesta arte há 50 anos, "numa casa que havia na Praça da República". Do Porto vão surgindo encomendas.
"A maior que temos neste momento é o restauro da talha da sacristia da Igreja do Carmo", explica José, sempre a correr de um ponto ao outro da unidade. Outro dos trabalhos mais recentes foi uma imagem feita para a Igreja de Montariol, em Braga. "Temos muitas por este país e pelo Mundo fora. Perdemos a conta", acrescenta, confessando que algumas delas são motivo de grande orgulho.
De Gondomar até à China
Como um Cristo gigante esculpido para uma igreja nos Açores, ou as Nossas Senhoras do Sameiro, que estão na cripta e no exterior do famoso Santuário bracarense. Mais, há milhares de Nossas Senhoras de Fátima que saíram de Gondomar para França, Alemanha, Brasil, Canadá, Estados Unidos e até para a China.
Numa pequena sala, Lucília vai colocando pedacinhos de folha de ouro nos mantos, um trabalho preciso para que não se desperdice tão precioso e caro material. No sótão da oficina estão mais de nove mil maquetas e moldes. Ultimam-se as entregas de meninos Jesus. Curiosamente o que tem mais saída é o maior, com 50 centímetros.v
À margem
Loja em Braga
A Casa Fânzeres, em Braga, de onde em 1920 saiu a imagem de Nossa Senhora de Fátima que está na Capelinha das Aparições, nada tem a ver com a atual loja gerida pela família de Gondomar. Dela, o atual espaço herdou apenas o nome.
Escultores famosos
José Ferreira Thedim ganhou fama pela autoria da imagem de Fátima mas outros nomes grandes saíram do Vale do Coronado, como o irmão Guilherme, Avelino Vinhas, Crispim Monteiro e Francisco da Silva Ferreira. Mas também Amálio Maia, da firma Maias Irmãos, ou a bracarense Casa Arte Cristã J. Vieira da Fonseca.