É uma vida preenchida e de causas aquela que o bibliotecário Henrique Barreto Nunes leva há 74 anos, entre Monção, onde nasceu, Coimbra, onde estudou, e Braga, onde reside desde a adolescência. Na cidade dos arcebispos são poucos os que não o conhecem, pela pegada cultural que já deixou, sobretudo através da ligação à Universidade do Minho, onde trabalhou 34 anos, entre os Serviços de Documentação, a Unidade de Arqueologia, a Biblioteca Pública, onde foi diretor, e o Arquivo Distrital de Braga.
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Em Monção, ainda criança, lembra-se que na sua cabeceira já pousavam coleções como a de Júlio Verne ou Emilio Salgari. Ouvia contos infantis ao adormecer ou histórias "das tias velhinhas muito conservadoras e católicas" e sentia-se "privilegiado" por não faltarem livros em casa, numa época em que a maioria do país era analfabeto.
Essa ligação à literatura iria segui-lo pela vida fora. Depois de uma passagem pelo colégio D. Diogo de Sousa e o liceu Sá de Miranda, em Braga, onde chegou aos 11 anos com a família, seguiu para Coimbra para estudar Direito, por influência do pai, mas sem sucesso. "Chumbei no primeiro e segundo anos. Ainda fui para Lisboa para tentar fazer, mas não cheguei a acabar sequer o primeiro ano. Não tinha capacidade para ser jurista. Eu gostava das coisas mais reais, mais verdadeiras. Gostava muito de História e fui para História", conta Henrique Barreto Nunes, que voltaria a Coimbra, no ano da crise estudantil, em 1969.
Sem qualquer espírito ativista ou político até ali, diz que o dia 17 de abril de 1969 viria a ser transformador da sua personalidade. "Fiz greve, apanhei umas cacetadas numa manifestação. Vivi a Coimbra revolucionária. Foi decisivo para criar consciência", frisa o monçanense, que terminou a licenciatura em História, diplomou-se em bibliotecário-arquivista e chegou a ingressar num seminário de Arqueologia com vista a realizar a tese - que lhe valeu uma bolsa de estudo em Paris -, mas acabaria por não terminar o documento.
Terá sido o único "fracasso" da sua vida, como classifica. Até porque, mal chegou a Braga, conseguiu emprego na biblioteca da recém-criada Universidade do Minho e afirmou-se como um dos salvadores das ruínas da Bracara Augusta. "Apesar de ser bibliotecário, continuava a ter uma grande paixão pela arqueologia e comecei a observar algumas coisas que se estavam a passar em Braga, sobretudo na Cividade e Maximinos. As novas urbanizações estavam a pôr a descoberto as ruínas de Bracara Augusta. Comecei a ficar escandalizado com o que se passava", recorda Henrique Barreto Nunes, que fez parte de um grupo de cidadãos, incluindo arqueólogos, que salvaguardaram aquele património e acabaram por dar origem à atual Associação Para a Defesa, Estudo e Divulgação do Património Cultural (ASPA).
Foi a segunda causa de vida, antes de avançar para outras, como o manifesto pela leitura pública em Portugal, que resultaria na Rede de Bibliotecas Públicas. "Neste momento, só há cinco concelhos que não têm a sua biblioteca", regozija-se o também ex-docente de Leitura Pública, assumindo que, na sua profissão, um dos maiores prazeres "é ver as pessoas a descobrirem os livros".
"A minha dependência são os livros, o papel", sublinha Henrique Barreto Nunes, antes de confidenciar que tem uma biblioteca pessoal com mais de dez mil obras. Entre autores consagrados e novas promessas, destaca Júlio Verne, Jorge Amado, Manuel Alegre, Camilo Castelo Branco, Jacquile Gascuel, Francisco Duarte Mangas e Afonso Reis Cabral.