Bem antes de decidir tornar-se médico, Francisco Stocker já tinha outra certeza inabalável: queria ser guarda-freio, fosse como fosse. Conduzir elétricos tinha-se tornado "um sonho". Rendido aos carros elétricos do Porto desde a primeira viagem, ainda em criança, soube sempre que, tal como as grandes paixões, esta era para ser vivida e, hoje, divide o tempo entre o curso de Medicina - em que é aluno e professor - e a condução sobre os carris da Invicta.
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Concentrado no percurso ao correr do rio, a partir do Museu do Carro Elétrico, em Massarelos, em direção à Cantareira, o guarda-freio Francisco segue atento a cada movimento na rua, e, com o pé, faz soar a campainha do carro à mínima aproximação de peões. Conhece de cor cada manípulo do velho painel e todos os cantos do elétrico. Sobretudo, neste 143, o "amarelo" desde o início eleito como o predileto, ainda com "bancos de palhinha" e materiais originais.
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A aventura sobre os trilhos férreos do Porto começou há quase duas décadas. Francisco, que hoje tem 24 anos, "tinha seis ou sete" quando embarcou na Linha 18 pela mão da mãe para uma "primeira viagem de carro elétrico, após uma consulta de oftalmologia no Hospital de Santo António". Foi descer até ao Museu do Carro Elétrico e regressar ao Carmo, trajeto curto, mas suficiente para se perder de amores.
Seguiram-se férias inteiras a passear de elétrico com o avô paterno, já "à procura do carro que tinha bancos de palhinha"; a paixão a agigantar-se à medida que o rapaz crescia.
"Mais tarde, no meu 7.º º ano, devia ter 12 ou 13 anos, comecei a vir sozinho, com o passe mensal, e acompanhava os guarda-freios", recorda Francisco, que foi "criando laços de amizade" e aprendendo tudo sobre as manobras necessárias para operar um elétrico.
Aluno exemplar na escola, Francisco não convenceu os pais quanto à vocação profissional para guarda-freio, e continuou a aplicar-se nos estudos. Mas não deixou as rédeas da vida em mãos alheias, e fez o que lhe dizia o coração, a bater desde pequeno ao som compassado do elétrico. Quando, há três anos, tirou a carta, o jovem portuense estava no 3.º ano do curso de Medicina e já tinha a teoria toda sobre a condução de elétricos.
"Quando vim para cá, a única coisa que me faltava fazer era conduzir, porque os guarda-freios que acompanhei ensinaram-me todas as manobras que se fazem dentro do elétrico, como trocar tudo de um lado para o outro no fim de cada viagem", conta.
Inscrito desde abril de 2019 na bolsa de guarda-freios da STCP para serviços ocasionais, Francisco Stocker garante que será médico e continuará a ser guarda-freio nas horas vagas. "Tem sido uma experiência incrível", afirma.