Cheira a mosto, a uvas esmagadas. Há vinho a caminho, na longa fila de tratores, carrinhas e camionetas na entrada da cooperativa "Terras de Felgueiras/Caves Felgueiras, CRL". Até dia 17, é tempo de vindimas.
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Emília Martins quase não tem tempo para respirar. Lança um braço mecânico a cada trator que pára em frente ao contentor branco, perdido na subida de calçada, de frente para três cedros envelhecidos. A sonda entra nos cachos de uvas, uma duas vezes. Tritura, mastiga e devolve.
"A primeira amostra é para lavar a máquina. À segunda, já dá o teor de álcool aproximado das uvas", explica Emília Martins. O mostrador digital dá 9,60 e desperta um sorriso em José Dias da Cunha. "Para azal é bom", diz. Outra casta, como Alvarinho, seria um valor baixo; ou Pedernã, ou Loureiro, uma das castas nobre da região.
Satisfeito com o teor de álcool, José volta para o trator e arranca, para parar na fila que se segue, à espera de ordens para saber em qual dos quatro tegões, reservatórios de aço inoxidável, vai despejar a carga. "À direita, as uvas melhores; esta da esquerda é para as castas com menos álcool, que faz parelha com aquela de trás, ao lado do vinho tinto", explica Manuel Teixeira, há meia dúzia de anos a ajudar a orientar a descarga das uvas, na Adega Cooperativa de Felgueiras.
Na cabine envidraçada, e engalanada com cachos exemplares, o maior com mais de três quilos, Abílio Pedro e Fátima Camelo dividem-se em tarefas. Já lhes piscou no computador o teor alcoólico, a casta e o produtor das uvas que estão prontas a descarregar. "Temos tudo informatizado e registado. Com este sistema podemos saber de onde vieram as uvas, qual o produtor, a quinta ou a parcela, no caso de produções maiores, que fazem um determinado lote de garrafas de vinho", explica Abílio Pedro.
Fátima vai-se dividindo e passa recibos, entre sinais de "OK" com o polegar e movimentos braçais a mandar arrancar ou parar os tratores. Ao todo, uns 250 a 300 por dia, que roncam, esfumaçam e se cruzam na descarga. "São pesados com as uvas e depois em vazio. A diferença são os quilos que trazem, paga em função do grau registado" por Emília Martins à entrada.
"Esta é a melhor adega cooperativa do país. De longe", diz José Carvalho, que durante anos foi o agente Carvalho, na PSP de Lisboa, Porto e arredores. Agora, ajuda o sogro na vindima.
Manuel Pimenta é mais temperado a falar. Já tem o recibo na mão e volta para o trator. Vai satisfeito e com a serenidade de 40 anos a vindimar. "Está a ser um bom ano. A uva é boa e muita".
Mais trabalho para Paulo Teixeira e Roger Rodrigues. Ajudados por dois estagiários da Escola Agrícola de Santo Tirso, tratam da descarga e vão empurrando as uvas mais resistentes para a engrenagem. Um sem-fim leva os cachos para o esmagador: engaço para um lado, uvas para outro.
O processo vínico vai começar
"As uvas brancas vão para as prensas. As tintas diretamente para as cubas de fermentação", explica Pedro Martins, técnico de adega na Cooperativa de Felgueiras. Vinho branco e tinto são diferentes, na cor e no processo. O tinto fermenta com os bagos, no mínimo cinco dias. "A película é que lhe dá a cor e só depois de fermentado é que é feita a trasfega para armazenagem", acrescenta.
As uvas brancas passam duas a três horas nas prensas pneumáticas, que vão esmagando as uvas à medida que enchem e rodam. O barulho é industrial, bem diferente dos cantares dos lagares ou da agitação a natureza. Os bagos saem esmagados, quase secos. O mosto, que será vinho branco, segue por tubos avermelhados para as cubas onde vai ficar a fermentar, cerca de 10 dias.
As cubas, de inox com uma cinta refrigeradora, para não deixar a temperatura subir acima dos 16 graus celsius durante a fermentação, acomodam até 100 mil litros cada. No bojo, escrevem-se a data da colheita e a casta.
Pedro vai circulando, com um copo na mão e um balde noutra. Prova a vindima em vários estádios, de doce mosto a vinho a fermentar. À medida que o processo químico de degradação do açúcar em álcool transforma sumo de uva em vinho, esvaziam-se as cubas de fermentação, prontas para receber nova vindima. São mais de 30, capazes de fermentar três milhões de litros de vinho. A capacidade de armazenagem chega aos nove milhões de litros.
O vinho vai pela tubagem até à parte mais antiga da Adega Cooperativa de Felgueiras, construída em 1957, com a mesma planta usada pelo Estado Novo para espalhar centrais de produção vinícola, ao tempo que o vinho dava de comer a um milhão de portugueses.
Recuperadas, reutilizadas, as antigas cubas de cimento onde durante anos se fermentava o vinho, são agora pousada de inverno para as novas colheitas. Passados os meses de frio, quando a primavera traz mais sol, ou quando o mercado pede, o vinho segue para a Anadia, onde é engarrafado, sob o selo da "Vercoop", empresa que agrupa todas as cooperativas de vinho verde de Portugal, otimizando processos, da produção à comercialização.
Em 2015, a cooperativa "Terras de Felgueiras/Caves Felgueiras, CRL" espera processar sete milhões de quilos de uvas em cinco milhões de litros de vinho: branco, rosado, tinto e espumante. Este último, uma aposta que ganha mercado a cada ano.