O mural que dá vida a quem o Zambujal perdeu: Odair Moniz e outros jovens do bairro
Um ano após a morte de Odair Moniz, alvejado pela polícia na Amadora, o Bairro do Zambujal homenageou-o, este sábado, com um mural que pretende transformar dor em memória. A obra, assinada pelo artista Das Neves, reproduz o rosto do imigrante cabo-verdiano ao lado de três outros jovens já falecidos - um deles, Carlos Reis, conhecido como PTB, morto em 2003 num outro alegado caso de violência policial.
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A iniciativa, promovida pelo movimento Vida Justa e pelo projeto ZambujArte, juntou algumas dezenas de moradores e ativistas num dia de convívio, com música e almoço comunitário. "A ação policial tem sido uma reincidência de comportamentos agressivos contra os moradores do bairro", denunciou José Carlos, um dos organizadores, sublinhando que a homenagem é também um gesto de resistência.
O mural é mais do que uma recordação, é também um manifesto. "Aproveitámos para homenagear outros jovens que o bairro perdeu e mostrar que o Zambujal não é apenas a imagem de violência que os "media" passam", acrescentou o mesmo responsável, que integra o ZambujArte - um projeto que tem levado arte, cor e diálogo às ruas do bairro.
Foto: Rita Chantre
Ao JN, Das Neves - conforme conhecido no mundo artístico - explicou mais sobre a essência deste projeto. "Nós criámos aqui no bairro esse projeto engraçado a que chamámos "Zambujarte", que convida artistas de todas as áreas, da pintura à música, a virem até aqui, a par de figuras públicas, para tendo o mural como fundo, se trocarem ideias e perspetivas através da arte. Tivemos de fazer isto e outras coisas para continuarmos a ser ouvidos"
"Injustamente e cedo demais"
O mural, de grandes dimensões, exibe os rostos dos quatro jovens sobre um chão de flores pintadas em tons vivos. "As flores representam vida e são uma forma de mostrar que eles deviam estar aqui", explicou Das Neves ao JN. "Esta inspiração não foi das melhores, porque nasceu da morte de uma pessoa, mas é uma homenagem a quem partiu injustamente e cedo demais. A arte ajuda a fixar a verdade por mais tempo."
O tributo surge a poucos dias do início do julgamento do agente policial acusado de ter matado Odair Moniz, que começa na próxima terça-feira. Durante a cerimónia, foi ainda distribuído o "Manual de Sobrevivência a Intervenções Policiais", um pequeno guia sobre direitos e deveres dos cidadãos e das autoridades.
Segundo Ricardo Sequeira, da organização, o manual "resulta de uma estratégia de consciência e de sobrevivência para quem vive nas periferias e nos bairros sociais".