Depois de 50 anos a colecionar obras de arte, desde pinturas a esculturas, instalações, fotografia e vídeos, Armando Martins conseguiu agora expô-las em grande escala, no recém-inaugurado MACAM - Museu de Arte Contemporânea Armando Martins. Neste projeto “único na Europa” nem sequer falta um hotel de cinco estrelas.
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O museu e hotel de cinco estrelas, pioneiros “em Portugal e na Europa”, foram construídos no setecentista Palácio dos Condes da Ribeira Grande e financiados exclusivamente com fundos privados. “Dependemos apenas de nós próprios”, explica o colecionador oriundo de uma família humilde de Penamacor, e que aos 13 anos rumou a Lisboa, onde cursou engenharia mecânica. Depois de uma temporada no Brasil, foi investindo, sobretudo, no setor imobiliário.
A filha, arquiteta, ajudou-o nesta empreitada, com mais de dois mil metros de área expositiva.
No projeto de reabilitação do palácio, que durante todo o século XX foi ocupado por instituições de ensino, o estúdio de arquitetura português MetroUrbe e o MACAM trabalharam em estreita colaboração, de forma a adaptar o espaço às novas funções e a preservar as áreas e materiais originais. A ligação entre o palácio e as alas novas, a tardoz, é feita através de um amplo jardim com peças de arte, sendo que a fachada da ala nova - revestida com azulejos tridimensionais da ceramista Maria Ana Vasco Costa - foi já premiada no Surface Design Awards, em Londres.
O museu desdobra-se em quatro galerias e num amplo átrio com duas paredes para obras de grande dimensão e expõe obras datadas desde o final do século XIX até aos dias de hoje - as quatro mais recentes, compradas a um artista português e a um chinês na ARCO Madrid -, que Armando Martins vai adquirindo a gosto. É dele a palavra final, ainda que, agora, admita já ser influenciado pela visão conhecedora da diretora do museu, Adelaide Ginga, que procura que o MACAM reflita o “património artístico do país” e consiga intervir num “diálogo global dinâmico”.
A vertente hoteleira do projeto chama-se MACAM Hotel e agrega 64 quartos e suítes, 14 deles na ala palaciana do edifício. Para comprovar que nenhum é igual será preciso aguardar até à Páscoa, altura prevista de funcionamento em pleno. Todos terão uma obra de arte original da coleção, além dos espaços comuns, com o intuito de “proporcionar uma experiência imersiva do que é estar num museu”, explica a responsável. “Quem dorme com uma obra de arte tem [a missão] de a proteger”. As diárias rondarão os 300, 400 euros.
No hotel, que partilha a mesma entrada do museu mas tem uma receção independente, existe ainda uma biblioteca, um auditório para 50 pessoas, uma cafetaria self-service de apoio ao museu e o restaurante Contemporâneo, no qual o chef Tiago Valente pretende interpretar algumas peças de arte, a partir de uma matriz portuguesa. À entrada, os visitantes terão uma loja “com edições exclusivas” de marcas portuguesas. O MACAM ambiciona, acima de tudo, a formação de públicos, através de visitas e atividades organizadas pela equipa de mediadores.
O MACAM visto ao pormenor:
Uma coleção a dois tempos
A exposição permanente, intitulada “Uma Coleção a dois tempos”, ocupa as galerias 1 e 2, logo à entrada do palácio. A primeira dedica-se sobretudo a um núcleo do colecionador sobre arte portuguesa, datada entre o final do século XIX e o final da década de 1980, e apresenta “os movimentos da história da arte” de forma cronológica, explica a diretora Adelaide Ginga. Já a galeria 2 coloca em diálogo obras mais contemporâneas, da autoria de artistas portugueses e internacionais, agregadas segundo diferentes abordagens temáticas. Em ambas as galerias podem admirar-se obras de nomes consagrados como Amadeo de Sousa Cardozo, Paula Rego, Júlio Pomar, Pedro Cabrita Reis, Maria Helena Vieira da Silva, Helena Almeida, Julião Sarmento, Ernesto Neto, Marina Abramović, Olafur Eliasson, Elmgreen & Dragset, Isa Genzken, Liam Gillick, Dan Graham, Thomas Struth, entre muitos outros.
Duas coleções temporárias
Na ala nova do museu, as exposições temporárias deverão estar patentes, em média, durante três a quatro meses. A exposição “O Antropoceno: em busca de um novo humano?” tem curadoria de Adelaide Ginga e “explora o profundo impacto da atividade humana no planeta, incitando a repensar” a sua relação com a natureza. As obras, algumas delas de grande impacto visual e conceptual, distribuem-se por três secções. Na segunda mostra, “Guerra: Realidade, Mito e Ficção”, a diretora do museu juntou-se a Carolina Quintela para conceber uma apresentação que mostra aos visitantes “a fragilidade da vida e as complexidades do nosso mundo nesta fase de tensão e instabilidade”, explicam. Por ora, ambas têm peças do espólio de Armando Martins, mas a ideia é dar espaço aos colecionadores que não têm meios próprios para expor, sob o mote “The House of Private Collections”.
Capela entre o sagrado e profano
A capela do palácio, dessacralizada, é agora o àCapela Live Arts Bar, aberto ao público (fora do circuito do museu) e animado por artes performativas. Além das pinturas originais e das cantarias restauradas, o bar promete dar que falar graças à instalação Trinity, da autoria do espanhol Carlos Aires, composta por um painel de “iconografia religiosa” em tom “provocatório”, no altar-mor, e duas esculturas fragmentadas, a retratar Nossa Senhora do Carmo (santa padroeira da capela) e Santo António, nos altares laterais. Todos os dias haverá um momento revelador, ao fazer-se deslizar automaticamente o painel de chapa forrado a folha de ouro: atrás dele está um cristo negro suspenso defronte de um fundo de leds, que passará imagens montadas pelo artista. A obra revela “inspiração no ancestral diálogo ambíguo entre a espiritualidade e a brutalidade da guerra”, considera a diretora.