Dos que sentiram na pele a repressão do fascismo àqueles que já nasceram no pós-ditadura, milhares de pessoas saíram à rua, esta sexta-feira, no Porto, para honrar os valores de Abril e para defender a urgência de preservar a liberdade.
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"Abril começou na rua e é na rua que tem de continuar". Foi com este desígnio que milhares de pessoas de todas as idades, sozinhas ou acompanhadas, com amigos ou com família, se concentraram no Largo de Soares dos Reis, junto à antiga sede da PIDE, para participar no desfile que, a cada esquina, foi juntando mais um amigo até à Avenida dos Aliados.
Aos primeiros acordes de "E depois do Adeus", a canção de Paulo de Carvalho que serviu de primeira senha ao 25 de Abril de 1974, a marcha começou depois de uma homenagem aos resistentes antifascistas e do entoar de "Grândola, Vila Morena", de José Afonso, hino da Revolução. Com os cravos a pintarem a paisagem - nas mãos erguidas, nas lapelas, nas mochilas ou nos cabelos -, a manifestação foi descendo lentamente a Avenida Rodrigues de Freitas, ladeada por centenas de pessoas que fotografavam o desfile.
"Somos muitos, muitos mil para continuar Abril" ou "Abril de novo com a força do povo" foram algumas das frases mais ouvidas e proferidas em uníssono, misturadas na amálgama de sons criados pelos bombos e gaitas de foles, à medida que se pedia paz, justiça social ou habitação para todos. Afinal, celebrar Abril é exigir igualdade de direitos. Quem o diz é João Faquir, 31 anos, que chegou rouco aos Aliados de tanto gritar por liberdade.
"É preciso continuar a lembrar, ainda para mais aos jovens que, como eu, já nasceram em liberdade, que é muito fácil dá-la como garantida. É preciso mostrar que não está garantida. Tanto que passou de 1 para 50 muito rápido", certifica o jovem de 31 anos, membro do Grupo Amizade, uma associação juvenil de Santa Maria da Feira cujo foco é a "educação para a paz".
Emoção ao lembrar o horror da ditadura
Participar pela segunda vez na marcha do 25 de Abril foi "mágico" para João Faquir porque "é na rua que se vê a força do povo". Força do povo essa que emocionou Maria Pinto, 78 anos, que aguardou pela chegada do desfile na avenida. De lenço de pano na mão, limpa as lágrimas à passagem dos primeiros manifestantes. "Estava a lembrar-me de há 50 anos. Era um país de fome, miséria, fascismo. Ninguém podia falar que ia preso", recorda a mulher de Avintes, Vila Nova de Gaia. Ver o "povo todo unido" é "um espetáculo", até porque "ainda falta muita coisa": a mulher ainda é "uma desgraçada", os ordenados "são poucochinhos" e as rendas são muito altas. "Ainda falta fazer muita coisa, mas sempre estamos bem melhor do que no tempo do fascismo", garante.
A opinião é partilhada por Romualdo Passos, 84 anos, vianense há mais de 50 a viver no Porto. "Enquanto puder, virei sempre. Porque vivi antes do 25 de Abril e aí a vida neste país era uma vida miserável, de ignorância, de incultura e de repressão. Tive alguns amigos e familiares que sofreram a tortura e o vexame das prisões da PIDE. Portanto, nunca poderia deixar de vir aqui e ficar indiferente", partilha. Já esteve nos Aliados na noite anterior, para assistir à "passagem emocionante" da hora, e é com "grande emoção" que se mistura entre os milhares que enchem a avenida, cantam músicas de abril e brindam à liberdade.
Numa manifestação dominada sobretudo por jovens, que erguiam cartazes coloridos e originais - os estudantes da Faculdade de Belas Artes da Universidade do Porto até fizeram um cravo gigante em cartão, com cerca de quatro metros, para mostrar que "a liberdade é preciso ser carregada todos os dias" -, Eva Mendes sente-se feliz. Com 17 anos, a jovem do Porto participa no desfile desde os cinco, motivada pela mãe, "uma pessoa muito liberal e revolucionária". "Eu acho que o 25 de Abril deve-se festejar todos os anos porque, para mim, é um dos dias mais importantes do ano", afirma. Manifesta-se por um futuro melhor, num país que não tenha fascistas. "Eu vou lutar sempre por isso", atesta Eva Mendes.
Paz e liberdade para todos
E é precisamente por ter o futuro no colo, com a pequena Luz embalada no marsúpio, que Inês Carrola decidiu juntar-se à celebração de Abril. Mãe de duas meninas, de quatro anos e seis meses, a portuense de 29 anos faz questão de mostrar-lhes o que é a Revolução dos Cravos. "É muito importante. Estamos, neste momento, numa história do nosso país um bocadinho difícil, não sabemos que futuro as coisas irão tomar, e acho que, para elas, meninas e principalmente futuras mulheres, é muito importante celebrar a liberdade e relembrar o caminho para onde não queremos ir", explica.