A discórdia e também o melindre da Faculdade de Arquitetura do Porto por se considerar "completamente descartada" da projeção de uma obra que lhe vai cair em cima.
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Para lá de todas as considerações científicas, de ordem ambiental, patrimonial ou paisagística, sobra uma certa suscetibilidade sindical e institucional. Então não é que a Faculdade de Arquitetura - a própria escola da arte da projeção, por excelência - acusa a Metro do Porto de não lhe ter passado cartão para atravessar o Douro com uma nova ponte, nem mesmo pelo facto de a extremidade norte da travessia pousar em cima do polo universitário do Campo Alegre? Por isso, a contestação ao arco em cota alta não é só figurada: "Esta ponte caiu do céu!", exclama João Pedro Xavier, diretor da FAUP.
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Entre os três finalistas que restam dos 28 concorrentes ao concurso internacional - lançado em março último, para projeção daquela que será a sétima ponte e segunda ligação do metro entre o Porto e Gaia (Campo Alegre-Candal) -, sairá o consórcio vencedor, a anunciar no dia 30 deste mês, dentro do calendário que a concessionária quer seguir à risca, para evitar "derrapagens" no planeamento e execução da obra e das verbas do PRR. Sempre segundo a Metro, a "bazuca" financiará toda a linha entre o Campo Alegre e Candal: 300 milhões de euros, incluindo 50 milhões só para a ponte, se for seguida a agenda da Metro (concessão no final de dezembro próximo, concurso internacional de construção a lançar no primeiro trimestre de 2022, início e conclusão das obras entre final do próximo ano e dezembro de 2025).
Ora, com estas balizas, assim à primeira vista, o processo parece correr como a Metro deseja: o consórcio mais bem classificado, o gabinete "Edgar Cardoso, Engenharia e Laboratório de Estruturas", é claramente favorito, com um prazo de execução da obra mais curto (970 dias) e, sobretudo, mais em conta (50,5 milhões de euros); os outros dois concorrentes, a Coba Consultores e a Betar Consultores têm propostas de execução mais morosas (superam mil dias) e mais onerosas (62,8 milhões e 69,2 milhões, respetivamente).
"De cima para baixo"
"A bondade desta linha do metro é indiscutível. É muito vantajosa para a Universidade, mas, por muito bem intencionado que seja, o processo é conduzido de cima para baixo, sem considerar as instituições que são importantes nas cidades, do Porto e de Gaia, sem as ouvir extensivamente, e muito particularmente à Universidade do Porto, que foi completamente descartada", afirma o diretor da Faculdade de Arquitetura.
João Pedro Xavier verifica que a nova travessia do metro já se previa, desde 2007, através da ponte da Arrábida e que "o programa estratégico da Metro do Porto, desenvolvido pelo professor Paulo Pinho, da Faculdade de Engenharia, tem vindo a sofrer sucessivas alterações ao espírito do plano".
E se agora se depara com "um facto consumado" - "a nós, à Reitoria e à FAUP, numa reunião à Metro do Porto, realizada a 6 de abril de 2021, os termos de referência do concurso foram-nos apresentados praticamente como um projeto tal como ele ia ser" -, nem por isso João Pedro Xavier considera que a obra possa ficar refém de prazos e custos.
"Risco de derrapagens? Até acredito que essa pressão seja factual, a da necessidade de execução dos fundos. Agora, o que nos parece é que se se interrompesse e se se refizesse o concurso neste momento seria muito melhor do que continuar a avançar cegamente com o que está, porque a montante destes processos, aí sim, parece-me que poderão acontecer problemas bem mais graves, porque, quer se queira quer não, isto tudo vai ser alvo de um processo de consulta pública e de um estudo de impacte ambiental e, nessa altura, podem aparecer obstáculos que serão muito mais difíceis de ultrapassar. Um desses obstáculos há de vir dos moradores, como é lógico, e outro da Universidade", afirma o diretor da FAUP.
João Pedro Xavier relembra, a propósito, a candidatura do edifício da FAUP a Património Mundial: "Recorde-se que a Universidade está, desde 2016, e com compromisso do Governo, em vias de classificação e a partir do momento em que isso estiver preto no branco, poderá criar problemas, porque o edifício da Arquitetura, da autoria do arquiteto Siza, está na lista dos candidatos a património mundial e esse processo pressupõe a classificação dos edifícios em questão. E a faculdade faz parte desse lote. Não sei se depois se pode argumentar que há um bem maior, mas também há que ter isto em consideração. E não só a Faculdade, mas também a casa de Agustina Bessa Luís e todo um conjunto que tem um valor patrimonial importante".
"Não cabe na cabeça de ninguém"
Às incidências eminentemente técnicas, o diretor da FAUP manifesta-se claramente renitente: "Foi-nos apresentado um projeto tal como ele ia ser. Ou seja, como ia a ser copa da estação em Gaia, como ia ser a estação no Porto, o traçado da ponte, como ia passar em viaduto sobre a via panorâmica e depois a descer numa vala até à estação de Campo Alegre. Quando nos confrontámos com os termos de referência do concurso, verificámos um projeto feito. E foi a esse projeto, com esses termos de referência, que os concorrentes deste concurso tiverem de se sujeitar, com uma margem de manobra mínima".
"Os concorrentes - continuou João Pedro Xavier - não tinham outra hipótese que não fosse obedecer àqueles critérios. Tiveram que fazer a ponte daquela maneira, Eu não critico as soluções, que isso nem me compete. Dentro das condicionantes que tinham, até apareceram soluções belíssimas, até apelativas, mas, depois, quando se vai ver a ponte a aterrar do lado do Porto, verifica-se que é muito violenta, em termos urbanísticos, em termos da salvaguarda paisagística e do património e lesiva dos moradores da encosta, que são altamente lesados pela forma com a ponte lhes aparece, em cima ou imediatamente ao lado. A ponte será um miradouro para a Casa de Agustina Bessa Luís. Não cabe na cabeça de ninguém".
Verificado o alegado afunilamento dos encargos, o diretor da FAUP não acredita que seja possível qualquer retrocesso: "Dos três vencedores, sairá um. Não vejo nada, do ponto de vista ambiental, que se possa alterar. Respeitam os termos de referência. Além disso, há outra coisa, que é lógica: se se tentassem propostas alternativas, os concorrentes que foram excluídos imediatamente impugnavam o concurso. É um facto consumado e a solução vai sair dos mais obedientes aos termos de referência, os quais, do meu ponto de vista, têm muita pouca explicação, têm uma lógica que eu não consigo e muita gente também não consegue perceber".
"Por exemplo - conclui João Pedro Xavier -, não se percebe por que razão a estação de Gaia sai da cota a que sai, por que é que se impõe que tem de estar ao nível da superfície do parque de estacionamento do Arrábida Shopping, dez metros acima da ponte da Arrábida, e depois a ponte começa uma descida violenta e entrar aqui no Porto a furar a terra".