Este vai ser um Natal mais triste para muitas das 49 famílias de Ribeira de Pena. Será o último passado nas casas em que viveram longos anos, algumas durante décadas, onde tiveram e criaram os filhos.
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Paredes e tetos que guardam imensas histórias que hão de ficar, para todo o sempre, debaixo da água da albufeira da barragem de Daivões. Inevitavelmente, serão festas mais tristes do que noutros anos, concordam Teresa Leite, Glória Gonçalves e Eurico Fernandes, Fernando Lamelas, Artur Fernandes e Maria de Lurdes Teixeira.
Teresa Leite
"Muitas saudades"
A casa de Teresa Leite, 56 anos, é a primeira a contar da ponte de arame, em Ribeira de Baixo. Começou a construí-la em 1982. Foram anos de "muito trabalho e sacrifício", para, "consoante as posses", erguer uma moradia que vai deixar "muitas saudades".
Este Natal, vai ser "mais triste", mas, ainda assim, "especial", já que vai ter à mesa os dois filhos, a nora e dois netos, todos emigrantes. Juntam-se a irmã Rosa e o cunhado António, a quem recusou um convite. "Por ser o último Natal na minha casa, a ceia de consoada tem de ser lá e vós ides passá-lo connosco", disse-lhes.
A ementa vai ser a do costume: bacalhau com batatas e couves cozidas, polvo, rabanadas e bolos de bacalhau. No dia seguinte, o rei será o peru. "A festa de Natal quer-se forte, mas não vou conseguir..." A voz de Teresa embarga-se. O tempo começa a esgotar-se e lá para meados de janeiro deverá abandonar a casa. Teresa já não a tem tão cheia. Depois do primeiro aviso para a abandonar até 31 de outubro deste ano, algumas mobílias, louças e roupas ficaram à guarda de amigos e familiares.
Depois, vai ter de voltar a carregá-las para a casa na vila de Ribeira de Pena. Foi arrendada pela Iberdrola para que possa viver lá enquanto não construir uma nova com o dinheiro da indemnização e de parte da compensação de 1,4 milhões de euros que a elétrica espanhola se comprometeu também a pagar às 49 famílias afetadas.
"Foi importante a intervenção da Câmara de Ribeira de Pena para que houvesse justiça, pois a empresa não nos ia dar mais dinheiro", atira.
Teresa já foi ver a casa arrendada e gostou. "Satisfaz as necessidades" e é "muito melhor" que o contentor que, até há algumas semanas, lhe estava destinado. "Aquilo era esquisito".
Depois, com o dinheiro que receber vai construir uma moradia de rés do chão com quatro quartos no novo loteamento disponibilizado pela Câmara. Será diferente da atual, que tem primeiro andar, porque "a idade já começa a pesar e tem de se contar que um dia vai ser mais difícil subir e descer escadas".
Glória e Eurico
"Fiz muito barulho"
Maria da Glória Gonçalves, 70 anos feitos na terça-feira passada, chega a casa trazendo do quintal um grande molho de salsa. "Biológica", enfatiza. É num pequeno anexo da casa que crepita lenha na lareira. A mesma que vai aquecer o espaço hoje à noite e que fará ferver os potes de ferro onde confecionará o repasto.
"Este será o último dos 40 anos em que como aqui o bacalhau, a batata, o polvo e a troncha da consoada". A ceia será servida na mesa do mesmo espaço, dividido com o marido, Eurico Fernandes, 79 anos, e com o filho António, de 52, o mais velho de três e que sempre viveu com eles. "Ah! E ainda vou pôr um pouco de camarão. Só somos três, mas temos direito a provar de tudo. Não será com muita alegria, mas se tivermos saúde, já será muito bom".
Glória anda por estes dias mais satisfeita por saber que vai receber mais algum dinheiro para compensar o abandono da casa, em Ribeira de Baixo. Ela e todos os afetados. "Que agradeçam à dona Glória. Foi ela que fez barulho do princípio ao fim!"
Sempre se recusou a ir ver os contentores para onde a queriam mandar e continua à espera de saber da casa arrendada pela elétrica espanhola para onde irá. "Queriam levar-me para longe, para a povoação da Cruz, mas eu disse que não senhora!" Porque "não queria ficar longe de Ribeira de Pena".
Apesar das dificuldades a andar e de sempre ter preferido uma casa "rasteira", se não lha arranjarem, não terá outro remédio senão ir viver dois ou três anos para outra, até fazer uma habitação nova no loteamento da Câmara. "Isto é, se Deus me deixar lá chegar. Se não, também não preciso dela. Já tenho uma no cemitério de Ribeira de Pena há 12 anos, que ainda não tem lá ninguém".
Fernando, Lurdes e Artur
"Festa mais triste"
Da casa de Fernando Lamelas, 52 anos, na Rua do Ponderado, em Balteiro, ouve-se bem a corrente do rio Tâmega, umas dezenas de metros abaixo, o mesmo que lha há de engolir, daqui a meio ano. O funcionário da Câmara não anda nada contente com o processo de construção da barragem. "Tem corrido mal, do princípio até ao fim" e não está convencido que o que já recebeu de indemnização e o que vai receber de compensação lhe dê para construir residência nova em Ribeira de Pena.
O último Natal na casa de Balteiro, onde vive há 25 anos, vai contar à mesa com a mulher e dois filhos, uma rapariga de 21 anos e um rapaz de 16. A mais velha, de 25, vai passá-lo em casa dos sogros. "A gente está só a pensar nestas coisas todas, pelo que será uma festa mais triste".
Não será mais alegre o Natal de Maria de Lurdes Teixeira, 82 anos, que vive a poucos metros da sobrinha, que é a mulher de Fernando Lamelas. "O que mais me custa é que quando sairmos daqui iremos cada uma para seu lado, e eu estava muito habituada a tê-la como vizinha", lamenta.
Lurdes vai ficar a viver temporariamente na moradia local do filho Artur Fernandes, 47 anos, que vive na Suíça e veio passar o Natal a Balteiro, por não concordar com a alternativa na aldeia da Cruz. "Podiam ter arranjado terrenos aqui perto e fazer novas casas para as pessoas expropriadas, pois a maior tristeza da minha mãe é perder os vizinhos, nomeadamente a minha prima".
Artur quis partilhar a tristeza da mãe pelo último Natal na habitação onde sempre morou e não cala a revolta pela forma como o processo foi conduzido. "Deram 69 mil euros para a minha mãe sair daqui e fazer outra casa. Tem um terreno agrícola que já foi expropriado e ainda não recebeu qualquer dinheiro", salienta. Por outro lado, entende que "se tudo tivesse sido tratado com tempo, as pessoas poderiam sair desta casa e entrar já na nova. Eles foram tratados como lixo", revolta-se. "Nem parece Natal, a única alegria é ter cá os meus filhos", acrescenta Maria de Lurdes.
Dados e números
1,4 milhões de euros com que a Iberdrola vai compensar as 49 famílias cujas casas são afetadas pelas barragens da cascata do Tâmega.
14 agregados afetados que manifestaram interesse em construir casa nova nos lotes disponibilizados pela Câmara, na área da vila.
600 metros quadrados de área de cada um dos lotes da Câmara. Será suficiente para construir uma casa e ter um quintal à porta.
6 famílias que vão ser realojadas temporariamente em casas ou apartamentos e cujas rendas serão pagas pela Iberdrola.
Prenda de Reis
Estima-se que até final de janeiro os moradores afetados possam receber os cheques da compensação adicional ao que já receberam a título de indemnização.
Abandono das casas
Já houve várias datas para que as famílias abandonem as casas. Agora só deverão sair quando tiveram outra para onde ir. Em janeiro deverá ficar tudo resolvido.
Três barragens
O sistema eletroprodutor do Tâmega inclui as barragens de Daivões, Gouvães e Alto Tâmega. Todas com o principal impacto no concelho de Ribeira de Pena.
Daivões primeiro
De acordo com a Iberdrola, a albufeira da barragem de Daivões começa a encher em junho de 2020, prevendo-se que a exploração comercial arranque em 2021.