Moradora de travessa que nem existia todos os dias tinha de ser levada à fisioterapia ao colo dos bombeiros ou em carrinho de mão de obras.
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Leopoldina Sousa perdeu a capacidade de andar, há cerca de um ano, fruto de uma embolia pulmonar. Desde então, a mulher, de 71 anos, tem de fazer fisioterapia diária. Mas a ambulância nem conseguia chegar à sua porta. Isto porque a Travessa da Levada, onde mora Leopoldina quase desde que nasceu, nem existia até há umas semanas. Era um caminho de terra batida. E a idosa tinha de ser levada ao colo pelos bombeiros ou recorrendo a carrinhos de mão usados nas obras. Agora, tudo mudou. "Já consigo ir a pé", diz.
"Já fui operada duas vezes por causa do cancro da mama. E, há cerca de um ano, tive uma embolia pulmonar, que mexeu com o sistema nervoso. Deixei de conseguir andar", conta.
Desde então, Leopoldina precisa de fisioterapia diária. Mas era um filme o simples ato de conseguir chegar à ambulância que a transporta. "Vinha o bombeiro buscar-me. Tinha de puxar a cadeira com uma corda. Mas, quando chovia, a cadeira resvalava e o bombeiro via-se aflito. Às vezes, tinha de ir ao colo. Outras vezes, tinha de ir na carrela [carrinho de mão] de levar o cimento. As pessoas punham uma almofada e eu ia até chegar à ambulância. Agora, é uma beleza", assegura.
Terceiro mundo
"Era cada andar cada tombo. Estava tudo cheio de ervas, com verdete nas pedras. Nem de dia conseguia estender a roupa, tínhamos de primeiro vir tirar as ervas. De inverno, molhávamos os pés todos. Era uma miséria. Parecia o Terceiro Mundo", confirma a irmã, Adelina Bessa.
Agora, as duas irmãs têm até um espaço para conviver no exterior. "Metemos a piscina e a gente senta-se e faz ali as férias. Não quero sair daqui. Estou bem, estou na paz. Não há cá bairros, não há cá gritos", vinca Leopoldina.
"Já fizemos aqui o São João. Ainda estão ali os martelinhos para provar. E vou fazer o aniversário da minha neta a 16 de outubro. Morava numa aldeia, agora moro na Foz. Mas não trocava a Foz pelo meu cantinho. Juro-lhe que não trocava, por nada!", confirma Adelina.
Tal como os restantes moradores da zona da Levada, existia nas duas irmãs um sentimento de esquecimento. "Não vinha para aqui ninguém. Era mesmo o Porto esquecido", dizem.
Daí que não tenha sido de espantar que os moradores tenham aproveitado a presença de Rui Moreira para pedirem mais. "Desde que nasci há 44 anos que as ruas estão no mesmo estado. Veja se arranja tudo o mais rápido possível", pediu um morador.
"Está tudo muito bonito, sim senhor. Mas, na rua do Bacelo, ficou tudo partido por causa das obras. Não queremos luxos. Só queremos a rua arranjada", exortou Manuela Ribeiro, moradora há 50 anos. "Essa vai ser a segunda fase", respondeu o vice-presidente da Câmara, Filipe Araújo. "Não sei se serei viva nessa altura", retorquiu Miquelina, residente há 60 anos.
"Houve um senhor que disse que há 40 anos que não se faz obra. O que ele não sabe é que, provavelmente, há 80 anos que não se faz obra. As pessoas têm sempre razão, mas isso também nos motiva e nos leva a pensar que viver aqui deve ser uma qualidade, não um defeito", reagiu o presidente da Câmara, Rui Moreira.
"Há anos que o Executivo pedia esta obra à Câmara. Fazer esta obra foi mesmo uma coisa necessária e boa para estas famílias", concluiu o presidente da Junta de Campanhã, Paulo Ribeiro.