Autarca diz que decisão devia ter sido tomada em abril e aponta o dedo a estufas que não dão condições a trabalhadores. Donos de aldeamento recusam ceder casas para infetados.
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A população e o autarca de Odemira estão revoltados com a cerca sanitária imposta a duas freguesias com elevada incidência de casos de covid-19 (São Teotónio e Longueira/Almograve). Apontam o dedo ao Governo, por um lado, por ter tomado uma decisão tardia, e às empresas que trazem imigrantes para as estufas de agricultura, sem lhes dar condições de habitabilidade. Para garantir as quarentenas e isolamento, o Governo requisitou o empreendimento Zmar, o que incendiou os ânimos dos proprietários.
Pedro Moleiro, 45 anos, natural de Sintra, está dentro do empreendimento, cuja entrada está bloqueada com um trator agrícola. "Investi o meu dinheiro e, sem verão e com infetados de covid-19, vai pelo cano abaixo porque os investidores vão desaparecer".
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"Como proprietário não quero infetados ao meu lado. O Governo deve pensar que isto está ao abandono, isto não é a Reforma Agrária! Estou disposto a destruir o meu Zmonte porque, se não o uso, ninguém usa", disse.
A requisição temporária é contestada por cerca de 120 proprietários e o advogado Nuno Silva Vieira, que representa a maioria, afirmou à Lusa que o complexo "não é apenas um parque de campismo, mas sim um espaço onde existem várias habitações particulares". O empreendimento esteve insolvente, mas um acordo entre credores previa a sua reabertura a 28 de maio.
Em São Teotónio, atrás da caixa registadora de um minimercado, Alissa Malla, há oito anos em Portugal, soube pelo JN da existência de uma cerca e de limitações à circulação de pessoas. "Ninguém veio ter connosco, desconhecemos o que se passa", disse, admitindo que na casa ao lado, que já foi ocupada por compatriotas do Nepal, "sete pessoas ficaram infetadas".
Manuela Portásio, proprietária de um restaurante nas Furnas, dava voz à revolta. "Isto é um caso político. Só à entrada do verão se lembraram de fazer a cerca. Há dois meses é que tal devia ter sucedido", defendeu. Na Longueira, Armando Gonçalves, dono de um restaurante, falava em "desmoralização". "Contávamos abrir as nossas casas, agora o sol brilha, mas a vontade é de chorar", disse, defendendo que a cerca devia ter sido há dois, três meses. A população não está contra as estufas, mas condena "a contratação desenfreada e sem regras de pessoas que, mais do que trabalhar, são exploradas".
Autarca surpreendido
José Alberto Guerreiro, presidente da Câmara de Odemira, foi apanhado de surpresa com as cercas. "Nem queria acreditar", disse, garantindo que "havia condições objetivas para o desconfinamento agora. Esperamos que no próximo Conselho de Ministros isto acabe".
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Em conferência de imprensa, o autarca assumiu que "no início de abril" defendeu "a existência de cercas sanitárias no concelho, com todos os focos identificados, fossem de migrantes ou de locais. Nessa altura fazia sentido", revelou, mostrando-se crítico da decisão.
O autarca revelou que "dentro das cercas pode haver circulação. Fora do limite das mesmas, não estão autorizadas entradas, mesmo com testes negativos. A proposta dos empregadores para que houvesse circulação não foi aceite", disse.
José Alberto Guerreiro defendeu que o facto de estas empresas contribuírem para o PIB "não pode ser justificação para comportamentos sem regras. Não pode ser o "chegar, instalar e depois logo se vê"", disse, defendendo o cumprimento das medidas de alojamento dos trabalhadores, "o que não é feito pelos empregadores".
Além do Zmar, a Pousada de Juventude de Almograve, com 42 camas, vai servir de alojamento para infetados.