Arte típica de Bisalhães, aldeia de Vila Real, é Património Imaterial da UNESCO há cinco anos. Em janeiro, começa uma formação para encontrar quem continue algo único no Mundo.
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Querubim tem a porta da oficina aberta. Entramos. Está a "gugar uma peça" de barro. Gugar? "Sim, gugar". O termo deve ser comum a quem domina a arte da olaria preta de Bisalhães, em Vila Real. A tal que é Património Imaterial da UNESCO faz agora cinco anos. Olhando o "gugar" com atenção adivinha-se que é o mesmo que alisar, já que o que o artesão de 81 anos faz não é mais do que passar repetidamente uma "pedra do rio" num panelo de barro ainda mole. É só uma das fases de um trabalho "demorado e duro", cujos praticantes se contam pelos dedos das duas mãos e ainda sobram.
À volta de Querubim Rocha há imensas peças de diversos tipos e feitios, desde assadeiras e alguidares a máscaras e presépios. As mais próximas são as que tem vindo a fazer nos últimos meses e que ainda não foram ao forno a cozer. As outras, porque já lá foram, têm a tonalidade preta que carateriza esta olaria única no Mundo.
O forno é criado na terra ao ar livre. Por baixo das peças são queimadas giestas, caruma, carqueja e rama verde de pinheiro, entre outra vegetação da região. No final, são abafadas com terra e é o fumo que fica no forno, e que convém que não escape, que vai dar a cor preta ao barro.
Viver do barro
Quando a UNESCO a classificou como Património mundial, em 29 de novembro de 2016, fê-lo com o intuito de a salvaguardar de uma eventual extinção. A Câmara de Vila Real, que apresentou a candidatura, ficou obrigada a desenvolver uma estratégia com esse fim. Fez algumas coisas para a promover internacionalmente e instalou sinalização para guiar os turistas até à aldeia. Em janeiro, arranca um curso que visa dar qualificação profissional a novos oleiros. "Só assim conseguiremos que esta arte não morra", salienta a vereadora Mara Minhava.
O ofício pode não dar para muitos se sustentarem com ela, mas alguns hão de conseguir. Como conseguiu Querubim, que entranhou a arte por obrigação do pai logo aos 10 anos e da qual acabou por fazer vida até aos dias que correm. Não esquece os 100 escudos (50 cêntimos) que ganhou num só dia, há 60 anos, a vender louça preta à beira da EN15, a única que havia para ligação ao Porto. "Num dia fiz o dinheiro da semana!"
Cesário Martins, 86 anos, não fez sempre vida na louça. Foi GNR e regressou à arte quando se reformou. "A olaria dá para viver, mas dá muito trabalho e os jovens não querem esta vida". Dá o exemplo dos dois netos, que quis convencer a seguirem os passos do avô, "mas arranjaram coisa melhor".
Miguel Fontes, 42 anos, também já está a produzir. Aprendeu com os avós ainda em criança, depois desligou-se e desde há 14 anos para cá voltou a dedicar-se. "O meu objetivo principal é continuar a aparecer com a nossa olaria na Feira de São Pedro", uma das mais importantes de Vila Real, que se realiza em junho.