Dos perto de quatro anos em que Diogo, 29 anos, esteve detido no Estabelecimento Prisional de Leiria - Jovens (EPL-J), três foram transformadores para o ex-recluso de Lisboa. A participação no Ópera na Prisão deu-lhe força para enfrentar a perda de uma vista e foi determinante para se tornar uma "pessoa diferente". Desde 2004, cerca de 230 presos aprenderam a representar e a cantar ópera, no âmbito deste projeto.
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O Ópera na Prisão abriu, assim, os horizontes musicais de Diogo e transmitiu-lhe conhecimentos que aplicou após cumprir a pena, quando esteve a trabalhar na montagem de palcos e a dar apoio nos eventos promovidos pela Gulbenkian, entidade financiadora do projeto. "Cada aula era diferente. No teatro, não me sentia tão à vontade como a cantar, mas estava sempre empolgado, com formigas na barriga", conta.
Além de ter passado a sentir a música de uma "forma diferente", o ex-recluso destaca a relação desenvolvida com os músicos da SAMP - Sociedade Artística e Musical dos Pousos, em Leiria, com os quais continua a manter contacto, a partir da Irlanda. "Ficamos mais sensíveis quando nos dão afeto. Mudamos como pessoas e a nossa autoestima aumenta", observa.
Valor reconhecido
"Estou a gostar bastante. Descobri um talento, que é cantar, que me pode vir a ser útil no futuro", acredita Júlio, 23 anos. "Sinto-me diferente, porque antes era um simples recluso e, com este projeto, os técnicos viram o meu valor. E é bom sentir-me útil." Manifesta ainda satisfação por a SAMP integrar as famílias dos presos. "É um projeto muito bem-criado, proporcionando muitas energias positivas e matérias musicais", garante o detido de Vila Franca de Xira.
Diretor artístico da SAMP e coordenador do Ópera na Prisão, Paulo Lameiro, constatou que, para conseguirem "provocar um impacto significativo" nos reclusos, tinham de envolver as mães, mulheres, namoradas, filhos e amigos.
"Sem estas pessoas, nada acontece, pois mantêm uma relação muito diferente da que têm com os profissionais." Este vínculo emocional permite que o detido passe a ser encarado como um "artista que consegue criar e proporcionar uma experiência".
"Isto é vital para baixar a taxa de reincidência criminal", sublinha Paulo Lameiro. E reflete-se na forma como o público dos espetáculos passa a encarar os detidos. "Aquelas 2400 pessoas saem mais transformadas do que quem atua, pois alteram a sua visão do que é um recluso e ampliam o conceito de comunidade", assegura. "É importante acabar com a ideia preconceituosa de que os reclusos são todos pessoas más e que nós os transformamos em pessoas boazinhas com a nossa arte, porque não é assim."
Quebra de barreiras
Joana Patuleia, diretora do EPL-J, acredita que "a abertura ao exterior e o aumento de competências são elementos facilitadores para o êxito da reinserção social".
Em concreto, refere "a autonomia, a maior capacidade de reflexão, a aceitação do outro e de si próprio, bem como a quebra de barreiras de comunicação, o trabalho em equipa e a descoberta e reconhecimento de capacidades individuais".