Três organizações apresentaram um queixa contra a decisão da Comissão Europeia de conceder estatuto preferencial ao projeto de lítio da mina do Barroso. O “pedido de revisão interna” deu entrada ontem em Bruxelas e pode acabar no Tribunal de Justiça europeu.
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A queixa é apresentada por três Organizações Não-Governamentais (ONG). A associação Unidos em Defesa de Covas do Barroso (UDCB), a MiningWatch Portugal e a Client Earth, uma ONG internacional com escritórios na Europa, Ásia e América do Norte, que "utiliza o Direito para combater as alterações climáticas, a poluição e proteger a natureza, em parceria com cidadãos e organizações em todo o mundo."
O JN falou com uma das advogadas da Client Earth, que explicou o procedimento apresentado em Bruxelas. “Chama-se pedido de revisão interna, mas, para todos os efeitos, é uma queixa. Estamos a queixar-nos de que a decisão está errada”, disse Ilze Tralmaka. As ONG contestam a inclusão da concessão mineira da Savannah Resources, em Covas do Barroso entre os 47 projetos europeus considerados estratégicos pela Comissão Europeia (CE) ao abrigo do Programa de Matérias-Primas.
“Primeiro pedimos à própria Comissão que reveja a decisão. Se não estivermos satisfeitos com a resposta, podemos recorrer ao Tribunal de Justiça da União Europeia”, adiantou Ilze Tralmaka. “Se a Comissão responder a todas as nossas queixas e demonstrar que avaliou tudo, que tem mecanismos para rever ou até revogar a decisão, se considerar que o projeto não está em conformidade, ou se simplesmente cancelar a decisão, então não há razão para irmos a tribunal”, acrescentou.
Admitindo que “estatisticamente é muito improvável que a Comissão mude de posição e, tendo em conta que o processo não é transparente, é mais provável que não seja positiva” a resposta ao pedido de revisão interna, as ONG dizem-se “preparadas para ir a tribunal” discutir argumentos. “O tribunal pode anular a decisão. Mas também é possível que apenas interprete os critérios e deixe a decisão como está, mas forneça orientações úteis sobre como a Comissão deve proceder no futuro”, adiantou Ilze Tralmaka.
Objetivo é revogar decisão
“O objetivo principal é que a Comissão corrija ou revogue a sua decisão. E a forma de corrigir seria, provavelmente, deixar de reconhecer o projeto como estratégico neste momento”, disse aquela advogada da Client Earth, considerando “muito pouco transparente” o processo de inclusão da mina da Savannah entre os estratégicos. “Não sabemos o que a Comissão considerou”, revelou.
“O que sabemos, pelo regulamento, é que a Savannah apresentou uma candidatura para a mina ser reconhecida como projeto estratégico e que isso deve incluir documentação de suporte. Mas não sabemos o que foi submetido, porque a Comissão não nos dá acesso a essa informação”, explicou
Ilze Tralmaka. “Esse é outro grande problema. E sistémico: o processo é completamente opaco e as ONG's locais ou comunidades não têm qualquer acesso ou possibilidade de participação”, lamentou.
“Claro que a transparência e o acesso à informação são outro processo, mas através destas decisões, a Comissão é obrigada a justificar-se - e isso revela o seu processo de pensamento, ao qual atualmente não temos acesso”, disse Ilze Tralmaka. “Esse é um objetivo secundário, mas também muito importante”, acrescentou, não se desviando do cerne da questão.
“O objetivo principal é garantir que, se a Comissão der o seu apoio - o que tem consequências práticas, como ser considerado de interesse público e segurança para efeitos de avaliação ambiental - essa decisão tem de ser baseada numa avaliação rigorosa de toda a informação disponível”, argumentou Tralmaka. “Tem de ser uma decisão genuína, bem fundamentada, que comprove que o projeto é sustentável do ponto de vista ambiental e social. Se não for esse o caso, a Comissão não pode conceder esse estatuto de importância a nível da UE”, acrescentou a advogada da Client Earth.
Preocupações ambientais
Na queixa, as ONG's alertam para alguns problemas que identificam no projeto para o Barroso, como a proposta que consideram “insegura” para o armazenamento de rejeitos. As fontes de água propostas pela empresa e “consideradas inviáveis” e o local da mina que “não cumpre as condições ambientais necessárias” são outros dos argumentos invocados. “Não sabemos se esta informação é nova para a Comissão, mas dizemos que, se a Comissão a analisou, temos sérias dúvidas de que chegaria à mesma conclusão - de que o projeto é sustentável do ponto de vista ambiental e social”, comentou a advogada da Client Earth.
“O que estamos a tentar garantir é que o verdadeiro impacto — tanto ambiental como social — seja devidamente avaliado e preservado. E que, antes de conceder qualquer autorização, todas as medidas de mitigação possíveis sejam implementadas, por mais dispendiosas que sejam. Ou, se for feita uma avaliação que conclua que o custo para as comunidades locais é desproporcional, então isso deve ser reconhecido e as licenças recusadas”, explicou Illze Tralmaka. “A nossa preocupação é saber se essas avaliações estão a ser feitas de forma adequada. Mas penso que este projeto levanta questões realmente importantes às quais a Comissão precisa de responder”, acrescentou.
“Do ponto de vista jurídico, temos dúvidas de que esta decisão seja correta. É algo surpreendente”, advogou Ilze Tralmaka, considerando que do ponto de vista político “não é surpreendente” a atribuição de estatuto especial ao projeto da Savannah. “Há uma necessidade reconhecida de garantir a independência em minerais críticos. O que é dececionante é a forma como isso está a ser feito. Politicamente, não há ênfase suficiente na reciclagem e na utilização de materiais já existentes no sistema, nem na promoção de alternativas como o transporte público, que reduziriam a necessidade de tantas minas”, defende a Client Earth, que como o nome indica é uma associação que tem a Terra como cliente.
O JN contactou o gabinete de Imprensa de Stéphane Séjourné, vice-presidente executivo para a Prosperidade e Estratégia Industrial da União Europeia, que apresentou os projetos estratégicos, mas não obteve resposta. A Savannah Resources também não respondeu às questões enviadas,