Os cães salvos na serra da Agrela "vinham todos esqueléticos, contavam-se as costelas"
"Parecem outros", dizem voluntários, salvaguardando que alguns ainda têm dificuldades para ultrapassar traumas.
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A conclusão é unânime: os cães que em julho foram resgatados de dois abrigos ilegais e insalubres na serra da Agrela, em Santo Tirso, "parecem outros", testemunham ao JN algumas das associações que acolheram os sobreviventes do incêndio que no dia 18 daquele mês matou pelo menos 73 animais.
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Bem nutridos - nenhum dos cães da Agrela é mais esquelético - e já sem os parasitas e a sarna que atingia muitos, dois meses volvidos, a recuperação física dos animais é evidente. Mas, se a magreza já é passado e as feridas externas cicatrizaram, o mesmo não sucedeu no plano psicológico: muitos cães superaram e estão bem integrados - alguns foram adotados e outros esperam por quem os queira -, e há os que vão evoluindo lentamente, mas uns poucos não dão sinais de virem a ultrapassar traumas ou privações de que foram vítimas.
Evolução positiva
Na Associação dos Amigos dos Animais de Santo Tirso (ASAAST), que recebeu 11 cães, a pequena Lola apenas tenta chegar-se a alguém para obter alimento, mas esboçar um afago fá-la saltar para trás num segundo. Caramelo também continua a recuar a cada sinal de aproximação humana, mas River, o calmeirão cor de mel e olhos de mar que se aterrorizava na presença de pessoas, teve algumas melhoras e foi adotado (ler caixa).
"No início, o River fazia chichi só de lhe tocarmos", recorda a voluntária Cátia Azevedo, feliz com a evolução que observa: "Agora, já se aproxima de nós e abana a cauda". E Sissi, que também foi adotada, "rastejava quando chegou, e foi de um extremo a outro", tornando-se muito ativa, brincalhona e sociável, nota Cláudia Caetano, outra voluntária.
No abrigo da Associação Midas, em Custóias, Matosinhos, também há finais felizes, como os de Hope e Átila, que partilham o mesmo espaço e vão ser adotados em conjunto, após a recuperação psicológica da cadela. "Veio sedada, porque ninguém conseguia tocar-lhe. Nas primeiras duas semanas, não deixava ninguém aproximar-se; atacava", lembra André Fernandes, enquanto o duo o recebe em festa na boxe. Vencido o medo, hoje Hope recebe todos com lambidelas, mas a velhinha Magnum, que também "atacava por medo", ainda não superou.
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"Vinham todos completamente esqueléticos, contavam-se as costelas. Nos primeiros dias, comiam duas e três taças [de ração] sem mastigar. Abriam a boca e engoliam tudo. Fez-nos muita impressão", relata o funcionário e membro da Direção da Midas, que acolheu 30 cães. "Maioritariamente, vinham com problemas de saúde. Estamos a falar de falta de alimentação e cuidados veterinários", vinca a presidente da associação, Lígia Andrade, que descreve animais com "sarnas, carraças, muito parasitados e magros".
Magreza e sarna
"A nível físico, não tem nada a ver. São outros cães. Em termos psicológicos, há uns que recuperaram muito bem, mas, dos 11 recolhidos, quatro são de difícil recuperação. E não é só serem assustados. Há ali uma falta de cuidado, de socialização", avalia a presidente da ASAAST, Fátima Meinl.
"Parecem outros os cães", diz Joana Sá, da Maranimais, que acolheu 21 - dois morreram - com "magreza e parasitismo extremos e sarna". "Em termos físicos e de saúde recuperaram", atesta a líder da associação de Ovar. "Todos eles estão completamente diferentes", concorda Ana Ceriz, que dirige a CãoViver, na Maia, onde foram alojados cinco cães no mesmo estado, um dos quais não resistiu.
River foi adotado por casal da Trofa
"Ficamos apaixonados por ele", confessavam, ao JN, Juan Salas e Rita Reis, no dia em que adotaram River, um dos "cães difíceis" acolhidos pela ASAAST: sem reação, o animal desviava os olhos azuis de todos e ficava petrificado na presença de alguém. O casal da Trofa visitou-o diariamente ao longo de duas semanas e foi-se aproximando, "com paciência", para lhe conquistar a confiança. "Tem-se notado uma evolução grande nele", observam. O cão ficou com o mesmo nome e, "agora, é como um filho", garante Juan.