Quando Vítor Afonso de 48 anos assobia, as suas 280 cabras, recolhidas num barracão no lugarejo de Bouça dos Homens, a mais de mil metros de altitude no concelho de Arcos de Valdevez, levantam a cabeça, sincronizadas. A cena é cómica e o pastor diverte-se, exibindo habilidades para comandar uma cabra que "é manhosa e teimosa". Antes de assobiar, tinha avisado: "Quer ver como vão levantar as orelhas?".
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O rebanho de cabras de raça bravia, além de ser o seu ganha-pão, também é paixão e entretenimento. Vítor foi emigrante em França, trabalhou na construção e num café, mas hoje prefere passar os dias na serra a cuidar dos seus animais e a mostrá-los aos amigos que deixou fora de Portugal, através de um grupo de Facebook. "O pessoal daqui da terra, que não está cá, gosta de ver. Está sempre a pedir: "Vítor mete fotos, mete vídeos", conta.
Acompanha-o nesta andanças, o filho Ricardo Afonso de 25 anos, que deixou o Canadá, para se dedicar à pastorícia. Sempre trabalhou na construção civil, mas agora conduz gado dias a fio. "Gosto de me mexer. De andar de um lado para o outro. Estive em França e nos EUA, mas agora habituei-me a isto e não quero outra coisa. Há mais liberdade", diz o jovem, referindo que combate o isolamento ligando-se às redes sociais pelo telemóvel. "Tenho Facebook, Instagram, como outro jovem qualquer e agora há rede por todo o lado" , afirma.
Seguir passos dos avós
O pai conta que, apesar de ter emigrado cedo, nunca perdeu a vontade de seguir os passos dos seus avós e de um dia ser pastor. "Sempre tive a ideia desde pequeno de ter um projeto com cabras. Até era para ser de vacas, mas já há muita coisa. E depois um engenheiro aconselhou-me: "mete cabras, pá, que é o que eu adoro". Falei com o meu filho, que estava no Canadá, e ele disse "bota para a frente que eu quero ir embora daqui"", recorda Vítor, referindo que prefere a serra à "vida dura" de emigrante.
"Aqui também é duro, mas ao menos somos nós os patrões. É outra coisa. O mais duro é o inverno. Com chuva, com neve, os animais têm que sair todos os dias e acompanhados, por causa do lobo. Cada nevada aqui é aos oito, 15 dias", comenta.
A rotina é sempre a mesma. Vivem na Peneda e de manhã cedo saem para a Bouça dos Homens, onde guardam as cabras. "Sábados, domingos, feriados, todos os dias chegamos aqui às 8.30, 9 horas. Andamos 20, 25 quilómetros por dia. Elas têm de roer. Andar e comer. Nós vigiamos. Depois é a noite que as trazemos de volta", descreve.
Folga de vez em quando
O cansaço, por vezes, faz com um deles tire folga, principalmente Ricardo. "Fica um e vem o outro", explica Vítor, admitindo ser o mais apegado à serra. Gosta de dar nomes aos bichos. A "Shakira" é a estrela do rebanho, mas também as há batizadas como Filomena, Trinta, Esgalhada e Preta. A uma das crias chama-lhe "Mignon (bonito em francês), por causa do filho de um emigrante amigo que o segue através do grupo de Facebook. Os seus sete cães de guarda são Forró, Pepa, Toqui, Leila, Quica, Duque e Diana.