Casa Chinesa poderá vir a ser o mais recente caso de encerramento. Pandemia e especulação imobiliária são as ameaças. Autarquia tem programas de apoio.
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A pandemia e o regresso da pressão dos investidores imobiliários estão a criar dificuldades de sobrevivência a algumas lojas históricas do Porto. Os encerramentos ocorrem não apenas na área da restauração, mas também no típico comércio de proximidade. A casa de malas Haity, na Baixa, foi uma das que não resistiram, tal como a Casa Nori, em Cedofeita. Agora, chega a vez da emblemática Casa Chinesa, com dificuldades de entendimento com o senhorio.
"Fomos surpreendidos com a carta que recebemos em que nos pedem uma renda de três mil euros. Estamos ainda a negociar, mas não sei se vamos conseguir sobreviver a esta investida", afirma o gerente Daniel Moreira. A aumentar o risco de fechar ao fim de 82 anos de atividade está o facto do estabelecimento não ter sido ainda reconhecido no programa Porto de Tradição. Foi feito o pedido em novembro do ano passado, em agosto as técnicas do município fizeram uma visita ao local, mas até agora não há qualquer resultado.
Nas montras desta loja da Rua de Sá da Bandeira reina o bacalhau, todo o tipo de míscaros, especiarias, chás, inhame, tamarindo, banana pan e outros produtos exóticos que são imagem de marca, mas este poderá ser o "último Natal" da Casa Chinesa, que atrai clientes de toda a Região Norte.
Também em risco
Também a Cutelarias Finas, inaugurada há 69 anos, um pouco mais abaixo, no prédio do Teatro Sá da Bandeira, está em risco. "Os novos proprietários andam a chatear-me porque querem começar com as obras e parece que não gostam da loja", conta o responsável do espaço, António Novais.
A Cutelarias Finas é conhecida pelas armas de fogo e pelas armas brancas que adornam a montra. Os preços variam ente os 500 e os cinco mil euros e há clientes de toda a região, sobretudo caçadores, e alguns nomes famosos do Mundo empresarial ou do espetáculo. Tal como a Casa Chinesa, ainda não foi reconhecida pelo Porto de Tradição.
"O Município do Porto reconhece a importância da revitalização do comércio local e de proximidade e tem vindo a implementar iniciativas e projetos, especialmente direcionados para a revitalização sustentável dos negócios, com particular enfoque na qualificação e capacitação dos comerciantes", afirmou ao JN o vereador da Economia, Ricardo Valente. Apesar do programa Porto de Tradição ser uma forma de salvaguarda das lojas históricas, a verdade é que muitas não sobreviveram também devido ao impacto da pandemia nos negócios. O ressurgimento da especulação imobiliária faz o resto.
A opção muitas vezes é a deslocalização. Foi assim com a casa de tecidos de luxo Cunha Rodrigues que agora se encontra num novo espaço do outro lado da Rua de Passos Manuel onde nasceu há 56 anos. "Mesmo assim, não nos queixamos. Apostamos na qualidade e na personalização do atendimento e vamos conseguindo manter os clientes e atrair novos", conta o gerente André Cunha Rodrigues.
Também a Casa Navarro, que está no imaginário dos mais velhos por se localizar desde 1860 num histórico edifício na esquina da Rua dos Clérigos com a Praça da Liberdade, está hoje numa área mais modesta. Conhecida pelos seus artigos em pele, pelas carteiras, malas e luvas, encontra-se agora numa outra esquina, entre as ruas de Sá da Bandeira e a de Fernandes Tomás. "Fomos despejados e já estamos aqui há três anos. Não é igual, mas as pessoas vão-se habituando", conta a sócia-gerente Anabela Pedroso. "O importante é sobreviver", acrescenta, relembrando o que aconteceu à sua mais direta concorrente, a Haity, que fechou após o prédio ser vendido.
"O tecido comercial da cidade está a ajustar-se aos novos condicionamentos e a "redescobrir" novas formas de dar continuidade à sua atividade. É mais uma prova de resiliência e adaptabilidade desta cidade", considera Ricardo Valente.
Apoios insuficientes
Para o presidente da Associação dos Comerciantes do Porto, Joel Azevedo, este é o resultado da "insuficiência dos apoios, do deficitário apoio aos arrendatários conjugados com a escalada do valor das rendas, que se tornaram agora incomportáveis para muitos comerciantes, determinando o fecho de muitos estabelecimentos". Após 77 anos de atividade, a casa de bicicletas Cepas Peneda vive uma situação diferente por ser proprietária do edifício e ganhou novo fôlego com "a moda" do uso de meios suaves de transporte, sendo os estudantes os grandes clientes do estabelecimento.
Apoios
Porto de Tradição
Até à data, a Câmara do Porto reconheceu 94 estabelecimentos comerciais e quatro entidades que passaram a usufruir de medidas de apoio e de proteção.
Tipos de apoio
Isenção de taxas de publicidade e ocupação do domínio público; formação e consultoria; divulgação e promoção turística e apoio financeiro de até 25 mil euros para investimento em obras de restauro constam do programa.
Formar lojistas
Formação gratuita aos comerciantes e seus colaboradores, oferta de material temático aos comerciantes, incentivo à atividade comercial que consiste no reembolso de vales de desconto de dois euros por cada 20 euros de compras efetuadas no comércio de rua local são outras ajudas.
Isenção de taxas
Isenção total do pagamento das taxas municipais é outra das medidas com vista a atenuar os prejuízos causados pela pandemia.
Foi criado um gabinete de crise
O histórico comércio da cidade corre o risco de desaparecer?
Infelizmente, o fecho de estabelecimentos, e alguns emblemáticos, é uma triste realidade. E daí a importância e a necessidade da prorrogação e alargamento do Programa Porto de Tradição, de forma a abranger e incluir todos os estabelecimentos de comércio tradicional local e entidades de interesse histórico, cultural ou social local como marcas identitárias da cidade, aumentar a sua cabimentação a cada um dos estabelecimentos e entidades referidas, reforçando o apoio.
Quantas casas fecharam devido à pressão imobiliária e à pandemia?
Não temos dados quantitativos, mas sabemos que fecharam alguns estabelecimentos e que felizmente outros vão tendo oportunidade para abrir portas. O comércio vai-se reinventando e resistindo aos inúmeros constrangimentos e desafios.
Que apoios estão a ser dados pela associação?
Foi criado um gabinete de crise com o objetivo de prestar informação e aconselhamento especializados, designadamente ao nível jurídico e contabilístico, fulcrais na reação dos comerciantes ao impacto avassalador que a pandemia teve no nosso comércio. Apesar desta grave situação, mantivemos sempre as portas abertas para receber e apoiar os nossos associados.