Empresas de conservas de Matosinhos registam aumento significativo e até admitem ter de contratar e reforçar equipas. Estão garantidas medidas de proteção para os funcionários.
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Em tempos de pandemia, a indústria conserveira de Matosinhos não tem conhecido períodos de crise. As encomendas dispararam e há quem esteja a contratar para fazer face aos pedidos e repor os stocks. A preocupação centra-se, isso sim, na matéria-prima que é necessária para responder às solicitações.
Na Ramirez, em Lavra, o mês de março foi o mais forte. As vendas subiram cerca de 280%. Já a Pinhais e a Portugal Norte, instaladas no centro da cidade de Matosinhos, registaram crescimentos na ordem dos 60% e 50%, respetivamente. Com o negócio em alta, nas fábricas implementaram-se novas regras. O vírus obrigou ao distanciamento entre os operários e escondeu sorrisos atrás das máscaras.
Ter emprego é um alívio muito grande
As mãos de Mónica Borges mexem-se ao ritmo da passagem das latas. Ao seu lado estão sentadas mais seis mulheres. Trabalham em equipa para acomodar as sardinhas na conserva. Dali, o peixe segue para o forno. A arte, repetida vezes sem conta na fábrica da Ramirez é monitorizada pela mãe. À hora certa, Ludovina Coelho anota a produção. Em média, enchem-se cerca de 4500 latas a cada 60 minutos. Nos últimos meses, a produção foi reforçada e os cuidados redobrados. "Antes, almoçávamos quatro ou seis na mesma mesa. Aquela horinha era para brincar. Agora, está o refeitório vazio", contou Ludovina Coelho, sem esconder o alívio por se manter a trabalhar.
"O meu filho esteve em casa um mês, a minha nora está agora. Eles têm duas meninas e estou um bocado apreensiva com a situação. Eu ter emprego é um alívio muito grande", desabafou.
A partir de janeiro, atendendo às notícias que chegavam da China, a Ramirez reforçou a produção e aumentou os stocks. "Em sinais de guerra, a conserva do peixe é um produto muito procurado", referiu Luís Avides Moreira, administrador adjunto da empresa, cuja loja online, também conheceu um incremento significativo nas vendas.
Olhando para o futuro, as preocupações centram-se na matéria prima. O atum encareceu "bastante" e pouco se sabe da época da sardinha. "É urgente que o Governo diga algo sobre a abertura das pescas da sardinha e o contingente para 2020", alertou.
Esquecemo-nos do que se passa lá fora
Célia Ferreira é responsável de armazém na Pinhais, onde o aumento da procura mais se fez sentir. Em dias de maior azáfama, a equipa que coordena não chega para empapelar todas as encomendas. "A [equipa da] produção tem que nos ajudar", contou a funcionária.
Antes da entrada ao serviço, é feita a medição voluntária da temperatura corporal aos trabalhadores. A firma facultou máscaras, mas Célia optou por não usar. "Não sinto para já essa necessidade. Prefiro manter sempre a distância", explicou a operária, sem esconder o "orgulho" por estar a trabalhar: "Ajuda a passar o tempo. Esquecemo-nos, muitas das vezes, do que se passa lá fora".
Ainda assim, com o surgimento do novo coronavírus, as brincadeiras entre trabalhadores alteraram-se. "Já não podemos abraçar-nos, nem dançar umas com as outras. Mas ainda há um espírito muito alegre", assegurou Célia Ferreira.
O mercado externo absorve mais de 90% da produção da Pinhais. Conservando um método de produção artesanal, na fábrica trabalha-se com o peixe fresco. "Neste momento, não existe época fresca. Tivemos de ver o que tínhamos de stock, gerir da melhor maneira e tentar antecipar encomendas", explicou Nuno Rocha, diretor comercial.
Tendo em conta a aproximação do fim do defeso da sardinha, a conserveira estima contratar até 15 colaboradores. "Prevemos que, com o andamento da situação, vamos ficar sem stock disponível e, portanto, na época da sardinha vamos ter que reforçar a capacidade de produção", adiantou Nuno Rocha.
Rimos e acenamos à distância
As latas chegam abertas ao posto de trabalho de Lisandra Teixeira. Cabe-lhe a tarefa de adicionar o molho consoante a iguaria e cravar a tampa, antes da lavagem e esterilização da conserva. O trabalho intensificou-se nos últimos meses. A uns metros, há colegas sentadas a trabalhar o peixe. Por cada bancada ocupada, há uma sem ninguém. Todas, sem exceção, usam viseiras ou máscaras. Lisandra optou pela viseira. "Temos que adaptar-nos a esta realidade. Rimos e acenamos umas às outras à distância", disse.
A empresa distribuiu três máscaras reutilizáveis pelos trabalhadores: duas para fins laborais e uma para os transportes públicos. "Não valia a pena estar a proteger o funcionário na empresa, se fora não se conseguisse proteger", refere Rodrigo Souza, a terceira geração da família à frente do negócio.
Grande parte da produção é escoada para mercados internacionais. De acordo com Rodrigo Souza, em janeiro a empresa sentiu a pressão das corridas aos supermercados na Ásia. No primeiro trimestre do ano, as encomendas cresceram 50%. "As pessoas estão com dificuldades em sair de casa e não têm tanta facilidade em cozinhar. Como entendem que este é um produto nutritivo e acessível, estamos a ter um aumento", referiu Rodrigo Souza, admitindo que a empresa pondera contratar entre cinco a dez pessoas.