Manuel Sousa deixou de andar há quase 50 anos. Natural de Maceira, Leiria, tem ajudado companheiros de equipa e adversários.
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Manuel Sousa, de 68 anos, jamais esquecerá o Natal de 1973, quando um acidente de automóvel o atirou para uma cadeira de rodas. Paraplégico desde então e após "anos de revolta" que o conduziram por caminhos tortuosos, encontrou no desporto adaptado e na vontade de ajudar os outros a força que precisava para "recomeçar". Natural de Maceira, Leiria, faz a manutenção e reparação de cadeiras de roda para atletas de desporto adaptado, como ele, e para idosos, sempre gratuitamente, pelo gosto de "melhorar a vida" dos outros.
Na pequena oficina que montou num anexo à habitação, acumulam-se rodas e outras peças que servirão para reparações futuras. Há ainda uma velha cadeira, a precisar de rolamentos novos e de arranjo dos estofos. "Aproveito tudo o que posso. Corto, emendo, soldo, em alguns casos usando ferramentas que eu próprio criei", conta. No caso das adaptações para desporto, o trabalho exige "precisão" e o "estudo" da condição física e do potencial da pessoa. "Um desvio de um milímetro pode fazer diferença", salienta, reconhecendo que a experiência profissional que tinha como torneiro de moldes se revelou uma grande ajuda.
Primeira "obra" há 40 anos
A primeira adaptação que fez foi para ele próprio, com a transformação de uma cadeira de rodas para fazer corridas, já lá vão quase 40 anos. Foi o retomar da ligação ao desporto adaptado, que experimentou durante o internamento em Alcoitão e que, reconhece, foi "fundamental" para se "reconciliar" com a vida, ajudando-o a sair do abismo onde o álcool e a droga o haviam conduzido após o acidente. "Quando recuperei dessa fase má, voltei a interessar-me pelo desporto. Como não tinha dinheiro para uma cadeira própria, tive de improvisar", recorda Manuel Sousa, atleta da delegação de Leiria da Associação Portuguesa de Deficientes.
Depois dessa primeira adaptação, Manuel fez muitas corridas de estrada e participou na mini e na maratona de Lisboa e em várias provas no estrangeiro. Mais tarde, passou também a dedicar-se ao andebol e ao basquetebol, chegando a representar a seleção nacional. Havia dias em que corria de manhã e à tarde jogava. Outras vezes, fazia duas provas no mesmo dia. "Era um pouco maluco", reconhece.
A par das reparações e ajustes em cadeiras para desporto adaptado, Manuel tem feito também intervenções para idosos, num trabalho de parceria com a amiga Noémia Santos, cuidadora que lhe vai sinalizando situações, que podem passar por reparações em equipamentos ou por "convencer" alguém acamado a começar a usar uma cadeira de rodas. "Não faço nada de especial. Apenas dou um pouco de mim e ponho o que sei fazer ao serviço dos outros."
A EN 356-1, que liga Leiria e Maceira, foi, durante anos, o local de treino de Manuel Sousa. Era ele o seu próprio treinador. Os feitos que alcançou mudaram o seu estatuto social: passou a ser visto como exemplo e faz parte do Conselho Municipal para a Integração da Pessoa com Deficiência de Leiria e da Rede Social.