Em entrevista ao JN, Eduardo Vítor Rodrigues entende que António Costa deu um sinal de desapego ao poder. O presidente da Câmara de Gaia acredita que os partidos mais à Esquerda serão penalizados pelo povo se abandonarem o compromisso com o PS.
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Antes das eleições, estava convicto de que o PS inverteria o ciclo de austeridade e centralismo. Tem correspondido às expectativas?
Sim, mas não lhe escondo que o ponto de partida é muito difícil. Estava expectante numa vitória forte do PS nas eleições. Depois da vitória do PSD, via como muita dificuldade o entendimento à Esquerda, mas pode ser virtuoso. Significa um novo tempo, embora traga responsabilidades a todos. Traz responsabilidades a uma Esquerda que terá de abandonar a sua matriz contestatária pela contestação e passar a ser uma Esquerda pragmática.
Mas a Esquerda nem sempre tem sido pragmática...
Raramente a Esquerda tem sido pragmática. Portanto, tem que haver a noção de que, em muitos momentos, as soluções para o país não serão perfeitas. São as menos más. Percebemos isso com o Banif.
O PCP e o BE votaram contra...
Pois votaram... É um caminho que se fará caminhando.
Não pode ser um sinal negativo?
A incerteza aumentou. Cada grande decisão implicará um grande esforço negocial e de incerteza até ao último momento. O país não compreenderia que não se desse uma oportunidade estável a este Governo. Todos os partidos, com o PS à cabeça, têm de limar posições. A democracia é isso mesmo. Não é a imposição de quem ganha a quem perde.
Acredita mesmo na solidez deste acordo de Esquerda? Foi um volte-face surpreendente?
Foi surpreendente para todos, embora me parecesse uma oportunidade que merecia ser testada. Se me perguntar se tinha grandes expectativas de que iria consumar-se? Não tinha, porque não é esse o nosso passado. Há um processo de crescimento de todos. O PS terá de ser um partido mais dialogante e aberto a contributos. O PCP e o BE são agentes de governabilidade do país e não podem fugir a isto, porque não está em causa a luta partidária. Está em causa a sobrevivência das classes médias, a qualidade de vida das pessoas e o futuro do país.
E chegará ao final da legislatura?
Depois do compromisso forte assumido pelos dois partidos, muito dificilmente algum deles terá condições para colocar em causa a sustentabilidade deste Governo.
Se o entendimento falhar, o PS será penalizado pelos eleitores?
Só acontecerá se os cidadãos considerarem que os partidos à Esquerda abandonaram o compromisso, porque o PS não soube dialogar. Se o PS fizer tudo para dialogar, a avaliação será positiva. O PS deu um sinal de relativo desapego do poder. Pôs em causa uma tranquilidade, que poderia ser até uma tranquilidade cínica, de ver um apodrecimento rápido do Governo de Direita e ter eleições a curto prazo. Avançou, de forma arrojada, para tentar solucionar os problemas do país e deve ser dada uma oportunidade consistente e duradoura para que o trabalho seja feito.
Fala em desapego ao poder, mas poderá haver quem interprete o contrário. Quem veja na ação de António Costa a enorme vontade de ser primeiro-ministro...
Julgo que, em qualquer circunstância, António Costa viria a ser primeiro-ministro. Do ponto de vista do conforto pessoal, valeria a pena que esperasse mais algum tempo. Esta solução foi mais difícil e problemática, mas foi a melhor para o país.