Manuel Gonçalves, 79 anos, viu-se um dia mais consciente do mortal que é. Na Palorca, aldeia de Mirandela onde nasceu, se criou, triunfou e onde quer ficar para todo o sempre, não havia cemitério.
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À falta de um mais perto, teria lógica ser sepultado nos Avidagos, que já foi a sede de freguesia. Mas, "para aí nunca!". E então lá tratou de comprar, por 50 contos (250 euros) um espaço no cemitério de Abreiro, outra freguesia próxima.
O que ele não cuidou foi que Arménio Vaz, o presidente da atual união de freguesias de Avidagos, Navalho e Pereira, haveria, entretanto, de atender à reivindicação de longa data do povo da Palorca - reduzido por estes dias a 16 almas (incluindo uma criança de 20 meses e outra de 13 anos) - e construir o tão ansiado cemitério. "Agora ando a ver se vendo o "lote" em Abreiro e não há maneira", diz Manuel, resignado, apoiado nas canadianas. Tendo sítio para "descansar em paz" na sua terra já ninguém o tira de lá.
Sorri com vontade a mulher, Ana da Conceição, 75 anos, ao dar voz à ironia que agora manda por ali. "Tanto pedimos um cemitério para a Palorca e agora ninguém quer ir para lá". Choram-lhe os olhos da risa. "Espero bem que esteja por estrear durante muito tempo!", torna.
A necrópole foi construída um pouco antes da aldeia, na qual já são mais as habitações "deitadas" do que as que ainda estão em pé. "Aqui morrem as pessoas e a seguir caem as casas", sentencia Manuel, vida cheia de trabalho como agricultor, mas principalmente como construtor civil. "Empreitei obras durante 30 anos. Basta-me olhar para o projeto e sei por onde lhe pegar".
Foi o que aconteceu com o cemitério. "Fui eu que o construí!", orgulha-se, logo desmentido pelo filho Fernando Gonçalves, 54 anos, ali ao lado a assentar uns blocos num muro. "Quem o construiu fui eu. Ele só esteve lá a ver!" E o pai: "Mas fui eu que dei as ordens. Eu é que sou o técnico!"
Depois de gastos oito mil euros, a 24 de novembro de 2018 foi cortada a fita do espaço de quatro paredes brancas, com um portão preto em ferro, um corredor empedrado ao meio onde impera um cruzeiro e campo, de um lado e do outro, para sepultar cerca de 20 pessoas.
"Após tomar posse deste mandato, o cemitério foi a primeira obra que nos pediram e nós fizemo-lo pois, mesmo sendo poucos, também merecem", salienta o presidente da Junta, Arménio Vaz, satisfeito por ainda não ter sido estreado. A Câmara de Mirandela forneceu material e a Junta administrou os trabalhos.
O futuro deixa adivinhar mais míngua de gente, mas se a sorte ao jogo quisesse alguma coisa com Manuel, "com o Euromilhões havia de reconstruir a aldeia toda"! Agora é esperar pela festa de 15 de setembro. Sim, porque a Palorca é pequena, mas não se mede aos palmos. "Haverá conjunto e baile, missa, de comer e beber", promete Ana.