Projeto prevê a demolição de muros centenários do miradouro, que serão substituídos por pilaretes e por uma plataforma suspensa.
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A obra de estabilização de arribas que a Agência Portuguesa do Ambiente (APA) se prepara para iniciar no Sítio da Nazaré está a provocar a indignação da população. Sem porem em causa a necessidade da intervenção, que visa "proteger pessoas e bens", os contestatários insurgem-se contra a solução adotada que prevê a demolição de muros centenários no promontório e a instalação de uma plataforma suspensa no designado Bico da Memória, usado como miradouro.
A APA garante que o projeto foi aprovado pela Direção Geral de Património Cultural e que "respeita o enquadramento patrimonial e paisagístico envolvente". Posição diferente tem o Movimento Cívico pela Defesa do Promontório da Nazaré, que junta várias associações locais e que está a promover uma petição, a exigir que sejam encontradas alternativas que "não firam a essência identitária do local", até agora subscrita por 1600 pessoas. Este domingo, pelas 11.30 horas, haverá uma manifestação junto à Ermida da Memória,
"Não pomos em causa a obra. Mas queremos que sejam discutidas soluções que não passem pela destruição do património", afirma Nuno Batalha, presidente da Confraria de Nossa Senhora da Nazaré, uma das entidades que integra o movimento. O seu entendimento é que que a APA deve divulgar os estudos que sustentam a decisão de demolir os muros, bem como a maqueta da intervenção, para que se perceba o impacto.
Mesmo sem essa imagem, Raquel Almeida, comerciante no Sítio com formação em restauro e conservação, considera que o projeto irá descaracterizar o local. "É possível resolver o problema da segurança sem destruir o património e os muros, porque ao contrário do que dizem as entidades, têm interesse patrimonial e muito", defende, que tem uma ligação afetiva ao local, onde começou a namorar.
"Alteração radical"
"Trata-se de um dos mais icónicos locais, não somente nazarenos, como nacionais e internacionais", salienta um grupo de pessoas ligadas ao património num artigo publicado no Público, alegando que os pilaretes metálicos, que vão substituir os muros, provocarão uma "alteração radical do ambiente adquirido em séculos". Os técnicos alertam ainda para os impactos da "floresta de perfurações (32 com mais de dez metros [de profundidade] cada"", a fazer para instalar a plataforma suspensa sobre o Bico da Memória.
A APA, que não respondeu ao JN, explica à agência Lusa que a plataforma irá "aliviar o peso resultante das pessoas sobre a atual consola rochosa, que é instável", e ficará ligada a um "maciço em betão", para "não exercer peso sobre a arriba" nem sobre a rocha. Em relação ao muro, a APA alega que há necessidade de o recuar e de o substituir por uma estrutura mais leve, "uma grade metálica, em prumos verticais" brancos.
O vereador Orlando Rodrigues reconhece que a câmara também gostaria de preservar os muros, mas que a prioridade deve ser a segurança. "Não podemos ser intransigentes. O risco está sinalizado e já houve queda de pedras naquela arriba", sublinha, admitindo que a interdição do local podia ser uma alternativa, "mas ninguém quer". O autarca recorda ainda que, em 2011, quando o executivo apresentou propostas, estas foram aprovadas, "sem contestação", nos órgãos municipais.
Ligado a lenda
O Bico da Memória, onde está a ermida com o mesmo nome, classificada com património de interesse público, está associado à lenda da Nazaré. Conta-se que, em 1182, quando D. Fuas Roupinho, andava à caça na região, encontrou um belo veado que, na fuga, caiu do alto do promontório sobre o mar.
Perante o perigo, D. Fuas pediu auxílio à Virgem e o cavalo estacou, salvando-lhe a vida. Na rocha há uma formação que, segundo a lenda, é pata do cavalo cravada. Vasco da Gama terá rezado no local antes de embarcar para a descoberta do caminho marítimo para a Índia.