Refinação de combustíveis parou há duas semanas na Petrogal, em Matosinhos. Trabalhadores não aceitam rescisão por mútuo acordo.
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É a olhar para as máquinas paradas e "à espera do despedimento coletivo" que os cerca de 30 trabalhadores da fábrica de combustíveis da Petrogal passam os dias. A produção naquela unidade da refinaria da Galp em Leça da Palmeira, Matosinhos, parou há cerca de duas semanas e prevê-se que, até ao final do mês, encerrem as três fábricas que ainda resistem: óleos base, aromáticos e lubrificantes. Essa é a convicção de Telmo Silva, dirigente do Sindicato dos Trabalhadores das Indústrias Transformadoras, Energias e Atividades do Ambiente (Site-Norte) e trabalhador na refinaria. A Galp, por sua vez, mantém junho como prazo para fechar as unidades.
A decisão de encerrar foi tomada pela empresa há quatro meses - a 18 de dezembro. O complexo funcionará apenas como parque logístico e "assegurará o abastecimento de produtos petrolíferos ao norte do país", explica o Ministério do Ambiente. Para isso, será utilizada a estrutura já existente, afirma Telmo Silva, referindo-se aos tanques de armazenamento.
"Os direitos acabaram"
A produção na fábrica de combustíveis parou sem que tenha sido "realizada qualquer transferência de serviços para Sines", informa a Galp. Permanece a incógnita sobre o que vai nascer naquele local.
A empresa afirma não ter "ainda definido qualquer projeto" e o Governo diz que, sobre esse assunto, é a empresa que deve ser questionada. O JN sabe que foi discutida a reconversão da Petrogal numa refinaria de lítio com o conhecimento do Governo.
Para os trabalhadores, que continuam à procura de respostas, existe a possibilidade de, para já, o parque logístico "não ser só da Galp" e ficar a cargo de uma empresa de outsourcing ou, em alternativa, de um consórcio. "Já percebemos que querem acabar o vínculo com a Petrogal. Os direitos acabaram", lamenta Telmo Silva.
Terminaram a 31 de março as conversas individuais "com a totalidade dos colaboradores" - a Galp contabiliza 401. A rescisão por mútuo acordo não terá sido aceite por nenhum, restando o despedimento coletivo. Para já, todos continuam a cumprir horário nas instalações, sabendo que a partir de 1 de julho já não o poderão fazer. "É a data-limite de permanência nas instalações de trabalhadores que não ficarão em funções no parque logístico", revela Telmo Silva, garantindo que os 70 postos de trabalho anunciados pela Galp para assegurar o funcionamento da estrutura são "uma miragem". Algumas das propostas feitas pela empresa aos trabalhadores, cuja categoria profissional "terá de ser revista" não asseguram o posto de trabalho por mais de dois anos, revela o sindicalista. "A uns dizem para ficar até final de 2022 e outros até final de 2023, mas com um documento assinado em como àquela data saem com aquele valor", clarifica.
Aviso prévio
O aviso da proibição do acesso às instalações tem de ser enviado 75 dias antes, explica Telmo Silva. "Para sair a 1 de julho, temos de ser notificados a 15 de abril [quinta-feira]", calcula.
Após o despedimento, segue-se o desmantelamento da refinaria. Terá início em 2022 e terminará em 2023, afirmam a Galp e o Ministério do Ambiente, para depois terem início os trabalhos de descontaminação do solo.
Dividendos
Galp teve lucro de 337 milhões de euros em 2020
O exercício da Galp Energia referente ao ano pandémico de 2020 contou "com um resultado líquido positivo" de 337,2 milhões de euros. A fatia distribuída pelos sete acionistas - o segundo maior é o Estado português, através da Parpública - será superior a 290 milhões de euros. Esta proposta vai ser votada em Assembleia Geral Anual, que se realiza no próximo dia 23. Para essa data, os trabalhadores da refinaria estão a preparar um debate em frente à Câmara de Matosinhos. De acordo com uma análise do economista Eugénio Rosa, entre 2003 e 2019, a Galp distribuiu mais de cinco mil milhões de dividendos pelos principais acionistas da empresa.
Pormenores
200 milhões de euros
Segundo a Galp, o valor dos ativos descontinuados é de 200 milhões de euros. Há "um estudo de cadeia de valor das baterias" de lítio, mas sem decisão tomada.
Autarquia
A Câmara de Matosinhos, através da Comissão de Acompanhamento do encerramento da refinaria, pediu estudos para avaliar o impacto económico desta decisão.
Sem feedback
Para Telmo Silva, dirigente do Site-Norte, o "silêncio" do Governo revela a "total cumplicidade" com as decisões tomadas pela Galp. "Ninguém se pronuncia", critica, comparando a participação do Estado em casos como a TAP e a Groundforce.