A população das aldeias de Cepões e Bárrio, em Ponte de Lima, recorda velhas histórias do tempo em que as fontes eram usadas para lavar e os enamorados marcavam encontros.
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Alice e José Pedro namoraram na Fonte da Aldeia. Lucinda, de 89 anos, ainda hoje lava a sua roupa íntima na Fonte de Valinha, e das fontes do Faval e de Negrais, saía água benta e de batismo para a igreja local. Na maioria, a água continua a correr, cristalina e boa de beber, mas já deixou para trás as velhas funções. Mas, nesta altura do ano, há nove que surgem enfeitadas com arcos dos santos populares, por iniciativa da Associação Recreativa e Desportiva dos Amigos de Bárrio (ARDAB).
A população organiza-se e decora com flores e pétalas as antigas pedras, à volta das bicas de onde brota continuamente água de nascente. Cada uma com a sua temática e alusiva a um santo popular, numa espécie de concurso sem prémio. Um "júri" visitou este sábado de manhã todas “as obras de arte” e escolheu por unanimidade como “mais elogiada” a Fonte de Negrais, em Bárrio, onde a figura de São Pedro navega e lança as redes ao peixe dentro de um barco.
“Normalmente costumamos fazer o São João, mas estamos sempre a fazer o mesmo santo popular, por isso este ano decidimos fazer o São Pedro. E a ideia foi fazer um barco onde o São Pedro vai à pesca. A cabeça é em papel e as pernas também, e a vestimenta em pano”, descreve Ana Lúcia Amorim, uma das moradoras do lugar da Eira de Baixo, onde aquela fonte servia noutro tempo de ponto de encontro da população.
“Tenho aqui muitas recordações. Antigamente, da minha infância até aos 18 anos, mais ou menos, juntava-se aqui muita gente a lavar. À volta era tudo verde e as pessoas punham a roupa a corar [ao sol]. Às vezes era tanta gente que não havia espaço e as pessoas vinham e deixavam as bacias da roupa e vinham mais tarde”, lembra.
A tradição das fontes de São João em Bárrio tinha caído em desuso, mas foi "ressuscitada" durante a pandemia e acabou por abranger também Cepões, graças à agregação de freguesias.
“Na altura do covid, em 2021, juntamo-nos uns quatro amigos e como não havia festarolas, falamos nessa tradição antiga e então lembramo-nos e fizemos em quatro fontes que são mais emblemáticas, as mais antigas em pedra”, conta Eduardo Pacheco, presidente da ARDAB, acrescentando que, no ano seguinte, decidiram lançar “um concurso”. “Mobilizamos as pessoas de cada lugar, arranjamos um líder para cada um, e criamos este festival de arcos”, disse, notando: “Não deve haver nada no país igual a isto”.
As fontes engalanadas para as festas populares são as da Aldeia, Faval, Fontinha, Nagrais, Painçal, Pia, Valinha, Cachada e S. Pedro. Nesta última, a decoração é da responsabilidade das irmãs Dora e Lúcia Cunha. É dedicada ao santo popular que lhe dá nome e apresenta, entre flores como hortênsias e girassóis, uma porta, um telefone dos antigos e uma mala. “A mala é porque as pessoas chegam aqui, vêm de viagem e têm de ver se vão para o céu ou para o inferno. O S. Pedro é que faz a triagem”, conta Lúcia, divertida.
Na fonte de Valinha, onde até há pouco tempo “duas viúvas ainda lavavam a roupa interior”, o tema é o da importância da água. Foi decorada por Andreia e o marido, que até um estendal colocaram com cuecas e celouras. “Não sou de cá, mas casei cá e estou aqui há 22 anos e o que me lembro desta fonte foi sempre de lavar e secar a roupa. Havia uma senhora que morava aqui que era viúva e vendeu aqui. E agora há só uma senhora, a Lucinda que ainda continua a vir”, recorda Andreia, acrescentando: “Ainda agora quando lavamos a fonte para a decorar, nos disse: não se preocupem, mas eu ainda tenho de vir aqui lavar as minhas cuecas”.
A Fonte de Aldeia ficou a cargo do casal, Alice e José Pedro, que guardam dela recordações do tempo de namoro. “Era onde nós, os da minha idade, vinham, porque os pais não nos deixavam namorar. Queriam que fossemos para a porta de casa e então vínhamos para aqui. Também era um local onde os animais vinham beber”, lembra Alice, referindo que no dia em que “levantam o arco”, os que nela trabalharam para o São João, lançam foguetes e fazem uma sardinha.