Assinala-se neste ano meio milénio da Rua das Flores, no Porto. Nasceu em 1521, em terrenos do bispo. Brasões de famílias nobres nas fachadas. Turismo fez renascer artéria que já foi a mais importante da cidade.
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Recebeu, há 500 anos, o nome de "Rua de Santa Catarina das Flores". Rasgada em terrenos do bispo e do cabido do Porto para receber figuras da alta burguesia, foram as ourivesarias que, séculos depois, se tornaram as verdadeiras protagonistas da atual Rua das Flores. Chegaram a ser 40 as lojas apinhadas de relojoaria a ocupar os passeios com vitrinas cintilantes. Ficavam umas a seguir às outras e todas pela mão direita, para quem entra pela Estação de S. Bento. O fenómeno, justificam os comerciantes, deve-se à luz do sol, que ali favorecia as montras. A artéria, que celebra este ano o seu 500.º aniversário, chegou a ser conhecida como a rua do ouro.
Pelo início dos anos 70 do século passado, o brilho dissipou-se, a rua entrou em decadência e alguns dos edifícios reduziram-se a ruínas. Graças ao enorme fluxo turístico, que chamou de novo o interesse imobiliário, aquela que foi outrora "a artéria principal" do Porto, renasceu.
Função comercial
A obra começou em 1521. "Já havia, na altura, casas construídas, mas poucas", refere Manuel Moreira da Rocha, professor da Faculdade de Letras da Universidade do Porto (FLUP).
No século XVII, famílias nobres mudaram-se para lá. As casas brasonadas evidenciavam o estatuto socioeconómico dos proprietários. Os emblemas, em pedra, permanecem nas fachadas dos prédios, como é o caso do hotel de cinco estrelas PortoBay Flores. Nasceu na chamada "Casa dos Maias". O edifício, amarelo, destaca-se pelos dois grandes brasões à entrada. Recuperá-lo custou quase sete milhões de euros.
"Pela regularidade, largura e extensão, [a Rua das Flores] constituiu-se na principal artéria da cidade como eixo privilegiado na fluidez do tráfego urbano, permitindo a ligação eficiente da cidade ribeirinha e portuária com a porta de carros da muralha medieval [atual Praça de Almeida Garrett] e com as cidades do norte de Portugal", esclarece o docente.
A função comercial, ainda hoje presente, culminou no início do século XVIII, prolongando-se por mais de cem anos, mas a rua manteve sempre "um traço distinto": a arquitetura. A sua "característica singular" nunca se perdeu, observa Manuel Moreira da Rocha. No entanto, nota, "o recheio" perdeu-se, fruto das dezenas de intervenções e transformações dos imóveis em hotéis, restaurantes e alojamentos locais.
Mesmo antes de ser rua, já ali havia sido construído um hospital que serviu a cidade durante mais de 200 anos. O Hospital de Rocamador, obra da Idade Média, é das estruturas mais antigas da Rua das Flores. Com o arranque da construção do Hospital de Santo António, em 1770, e o aumento do nível de exigência nos tratamentos de saúde, a unidade foi perdendo a sua função.
"Ainda lá estão, na parte de dentro do edificado, estruturas que nos falam desse hospital, que fazia gaveto com a Rua dos Caldeireiros", refere o professor.
Entretanto, com a abertura da Rua de Mouzinho da Silveira, observou-se um "esfumar gradual do progonismo" da Rua das Flores.
Palco de romances
Como refere o trabalho do Centro de Investigação Transdisciplinar "Cultura, Espaço e Memória", da FLUP, da Misericórdia e da Câmara do Porto, a Rua das Flores foi palco de romances, poesia e narrativas.
Os 500 anos da artéria motivam um colóquio que está agendado para novembro, entre os dias 11 e 13.
CURIOSIDADES
"Vestir bem e barato, só aqui"
O anúncio, em três placards, de uma antiga loja de têxteis ainda permanece na Rua das Flores, apesar de o edifício agora se destinar a alojamento local.
Caixa do correio
Uma antiga caixa do correio, entre os números 76 e 84, ainda hoje funciona. Todos os dias úteis, às 16 horas, são levantadas as cartas.
"Fair Lusitania"
A aristocrata lady Jackson, em "Fair Lusitania", descreve a Rua das Flores como a "mais movimentada do Porto": "É longa e algo estreita para o trânsito que tem, mas o pavimento é bom".
Burgo recebe nobres
A abertura da Rua das Flores coincidiu com o fim da prerrogativa que a cidade tinha de impedir os nobres de viver no burgo.
"Casa dos Maias"
Construída no século XVI pelo fidalgo Martim Ferraz, a Casa dos Maias, na Rua das Flores, foi classificada como imóvel de interesse público em 1993. O último proprietário, Domingos de Oliveira Maia, deu-lhe o nome. Destaca-se pelos brasões.