Atendimento deverá começar em setembro e será feito no Gabinete do Munícipe por mediadores interculturais.
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José Maria Fernandes sentiu a discriminação na pele. Tem 65 anos, é de etnia cigana e vive no Bairro do Cerco do Porto. Apesar do "sacrifício" que fez para pagar os estudos aos filhos, a etnia cortou-lhes as oportunidades e não conseguiram emprego na área de formação. O preconceito repetiu-se quando quis arrendar uma casa e o contrato teve de ficar em nome de uma pessoa não cigana. E quando quis comprar um carro recusaram vender-lho. Por isso, não tem dúvidas: "Onde houver comunidades ciganas, tem de haver mediadores".
Hassan Mohammed, um paquistanês no Porto, bateu a todas as portas em busca de ajuda para obter o cartão de residência em Portugal. Chegou, inclusive, a enviar cartas ao presidente da República e ao primeiro-ministro. Só há um ano, com o auxílio da equipa de mediação intercultural da Câmara do Porto, conseguiu resolver a situação. Foi Paula Ferreira, a mediadora para as comunidades migrantes, quem o acompanhou.
"Se não fosse ela, até hoje não tinha o cartão e estava sem trabalhar. É uma grande amiga, um anjo", diz o jovem, de 31 anos.
O Projeto de Mediadores Municipais e Interculturais iniciou-se no ano passado, representa um investimento de cerca de 340 mil euros e conta com quatro mediadores. Verónica Alves, Bruno Prudêncio e Licínio Fernandes trabalham junto das comunidades ciganas nos bairros do Porto. Já Paula Ferreira está centrada na comunidade migrante.
O objetivo é claro: criar pontes entre as diferentes comunidades e promover a aceitação da diferença. "O que fazemos é capacitar e trabalhar com a pessoa. Não queremos fiscalizar, nem obrigar e é assim que muitas das vezes conseguimos fazer a diferença", explica Bruno Prudêncio.
"Discriminação"
"A nossa relação [com as comunidades] não é de poder, mas de companheiros de caminhada. Veem-nos quase como uma muleta que os vai ajudando até caminharem sozinhos", reforça Paula Ferreira.
Ao trabalho no terreno junta-se, a partir de setembro, o atendimento no Gabinete do Munícipe. "A ideia é que as pessoas se possam deslocar até lá e terem à disposição o serviço de mediação intercultural", explica Fernando Paulo, vereador da Habitação e Coesão Social da Câmara do Porto.
A par da dimensão cultural, os mediadores trabalham as questões de empregabilidade, educação, habitação e saúde, através de ações de sensibilização, atividades nos recreios escolares, visitas culturais e mediações entre as comunidades e os serviços.
No Bairro do Cerco, onde José Maria Fernandes vive, os principais problemas prendem-se com o emprego e a habitação. É o neto, Licínio Fernandes, quem faz a mediação. "A discriminação e o racismo continuam. Se não fosse este projeto estava desempregado", refere Licínio Fernandes, ressalvando que a comunidade cigana tem valorizado mais a escola.
Com a suspensão das atividades letivas presenciais durante a pandemia e, tendo em conta que a maioria das famílias não tem computador no Cerco, Licínio Fernandes assumiu um papel importante: "Imprimia os trabalhos e marcava um dia para os recolher nas residências". De acordo com o mediador, nas visitas às casas foram identificadas carências alimentares originadas pela pandemia.
Para a mediadora Verónica Alves, o projeto é "fundamental para desbloquear a desconfiança e os receios que existem com a comunidade não cigana". Estereótipos lamentados por José Maria Fernandes. "Há pessoas que pensam que andamos a roubar e somos traficantes. A mediação ajuda muito na integração", criticou o homem de etnia cigana.
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Associações
Coordenado pela Câmara do Porto, o projeto desenvolve-se em parceria com a Associação de Solidariedade e Ação Social de Ramalde, o Espaço T - Associação para Apoio à Integração Social e Comunitária, a associação de Ludotecas do Porto e a JRS Portugal - Associação Jesuíta aos Refugiados.
Formação
O projeto de mediação intercultural conta com o apoio de fundos comunitários, no âmbito de uma candidatura feita pela Autarquia ao Programa Operacional Inclusão Social e Emprego. Os mediadores receberam formação e o programa tem a duração de quatro anos.