Porto dá passo atrás e só avança com regras para artistas após criação de comissão
A reunião de Câmara do Porto já ia longa quando começou a discutir-se o documento proposto pelo Executivo para regular a atividade dos artistas de rua. Com um debate aceso e tenso, Rui Moreira retirou a proposta e acedeu a pelo menos uma das sugestões da oposição: criar uma comissão de acompanhamento.
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Para Rosário Gambôa, vereadora do PS, é "um bocadinho gravoso" o facto de a proposta apresentada esta segunda-feira pela Câmara do Porto para regular a atividade dos artistas de rua ser exatamente igual à anterior. A socialista destaca alguns "erros formais", sem querer discutir as questões relacionadas com o ruído, mas observa que o documento "ignora por completo" o contributo deixado pelo representante do Sindicato dos Trabalhadores de Espectáculos, do Audiovisual e dos Músicos (Cena-STE), Fernando Pires de Lima. Uma das sugestões do sindicalista terá sido mesmo a de criar uma comissão de acompanhamento que garanta o cumprimento das regras estipuladas mas permita futuras alterações ou adaptações das regras.
Para a vereadora do Bloco de Esquerda, Maria Manuel Rola, o processo "desconsidera grande parte da consulta pública" e até mesmo a reunião que decorreu anteriormente sobre a matéria. "Lamentamos profundamente que não se tenha tido nada em consideração", afirma. Para a bloquista, o regulamento apresentado "em vez de regular, oprime a atividade" dos artistas de rua.
O autarca Rui Moreira respondeu que esperava que a ida do representante do sindicato a uma das anteriores reuniões da Câmara do Porto se traduzisse numa "proposta de regulamento, com algumas alterações". "A posição [do Cena] rejeita uma questão fundamental que é a da amplificação. Diz que é necessária por razões técnicas. Não as vou discutir. Aquilo que sabemos é que há pessoas que vão para os coretos com instrumentos de som e recebemos reclamações de moradores a dizerem que é impossível estarem em casa com aquele tipo de ruído", reforça.
"Estávamos à espera de uma proposta construtiva. A minha interpretação é a de que o que se pretende é não regular", exalta-se o presidente da Câmara do Porto.
Também a vereadora independente Catarina Santos Cunha, com o pelouro do Turismo e que assina a proposta, quis intervir. "Estamos aqui a fazer uma regulação do espaço público e não da qualidade dos animadores", diz.
Já do PSD, Mariana Ferreira Macedo, numa tentativa de acalmar os ânimos, disse compreender a "dificuldade em conseguir uma harmonia" entre todos, admitindo que este poderá não ser o "regulamento perfeito ou ideal", mas a situação "como está também não está bem".
"É impossível aprovarmos algum regulamento na cidade que agrade a gregos e a troianos"
A vereadora socialista pediu novamente a palavra para deixar claro que "ninguém está a por em causa a regulamentação". Rosário Gambôa, ironicamente, nota que "a questão mais extraordinária" é o facto de ter-se ignorado a proposta de uma comissão de acompanhamento.
Outro vereador tenta por água na fervura. Desta vez, é Ricardo Valente, vereador da Economia. "Isto não pode ser tratado como uma lógica de que a cidade pertence a uns e não a todos", responde, garantindo que o objetivo é redigir-se um "regulamento que equilibre" esta situação.
Moreira interrompe: "É impossível aprovarmos algum regulamento na cidade que agrade a gregos e a troianos". "Se os senhores entenderem que a questão fundamental é a de haver uma comissão de acompanhamento, eu proponho à senhora vereadora [Catarina Santos Cunha] que se crie a comissão. Agora, a ser pensada, vamos querer lá as forças políticas para se atravessarem também. Para depois não virem cá, daqui a uma semana, trazer a vossa clientela dizer que há ruído na rua", avisa Moreira, exaltado.
Não tardou para Rosário Gambôa retorquir: "Não entendo porque é que nesta comissão têm que estar as forças políticas quando não estão noutras. Se é por uma questão meramente persecutória face a quem se manifestou contra, eu estou fora".
Num tom mais calmo, o presidente da Câmara do Porto rejeitou qualquer intenção desse género: "Quando está a Câmara Municipal, devem estar lá as forças políticas". E Catarina Santos Cunha interrompe: "A consulta pública era aberta às forças políticas e eu não recebi um único contributo. Duas consultas públicas. Isto tem de estar claro".
A tensão voltou a subir na sala, com Ilda Figueiredo, da CDU, a garantir ter feito várias propostas durante o debate que decorreu anteriormente entre o Executivo.
Para Maria Manuel Rola, do BE, durante o debate, o ruído transformou-se na questão central. "Estamos a falar de um regulamento sobre artistas de rua e a discussão é sobre o ruído. Se a intenção é regular o ruído, fazemos a discussão sobre o ruído, não sobre os artistas de rua. Até porque vários artistas de rua não fazem ruído e vão ter de cumprir este regulamento", observa.
Proposta foi retirada e será votada na próxima reunião
Perante uma discussão acesa e tensa, parecia mesmo que o presidente da Câmara do Porto, Rui Moreira, ia avançar com a proposta nos moldes em que foi apresentada, dizendo que "não vale, de facto, a pena ter uma comissão de acompanhamento".
Do PSD, Filipe Sampaio Rodrigues, em substituição do vereador Alberto Machado, tentou sanar as divergências: "Um regulamento é importante. É uma área muito importante da vida coletiva e há aqui um espaço público que se partilha e onde as coisas não estão bem e é preciso regulamentar". Preocupa-o, no entanto, e à semelhança do que foram as intervenções dos vários vereadores, "as eventuais consequências negativas que possam atentar à livre produção artística". "Deve haver alguma forma de garantir que este regulamento é um regulamento que vai no sentido certo de melhorar a convivência e as condições de todos".
Depois desta reflexão, Rui Moreira recuou: "Muito bem. Entendem que é útil haver comissão ou não? Não condiciona minimamente o vosso voto, porque se houver comissão retiramos a proposta e vem à próxima reunião".
O autarca sublinha que "nenhum regulamento é imutável". "Todos os regulamentos são aperfeiçoáveis. Podemos chegar à conclusão, daqui a dois meses, que é preciso até rasgar o regulamento e fazer outro. Temos é de começar por qualquer lado", propõe o presidente da Câmara do Porto.
Certo é que, alertou Ilda Figueiredo, "não basta haver uma comissão de acompanhamento" para resolver questões relacionadas com o ruído, pagamento de taxas e limite de permanência nos locais, pedindo um "equilíbrio".
Por fim, o ponto foi retirado pelo autarca e será novamente sujeito a votação na próxima reunião de Executivo.
A comissão de acompanhamento deverá ser constituída por representantes da Câmara do Porto e das várias forças políticas, representantes do Cena, da empresa municipal Ágora, comerciantes e também, possivelmente, elementos das Assembleias de Freguesia.