"Não é só um problema do urso polar", como observa o presidente da Câmara de Gaia, Eduardo Vítor Rodrigues, a propósito das alterações climáticas e do inverno mais seco de que temos memória. O stress hídrico ainda não ameaça o consumo de água na área metropolitana e no Douro Litoral, mas os municípios já se previnem. Eficiência e sustentabilidade são as bandeiras de todos os planos de contingência.
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As reservas de água da bacia hidrográfica do Douro ainda não dão sinais de alarme nem se perspetiva qualquer problema de fornecimento à Área Metropolitana do Porto, mas os municípios vão tomando medidas para minimizar os efeitos da seca, muitas delas adotadas com anos de antecedência e de prevenção, no âmbito dos planos de ação climática. Porto e Gaia tomaram a dianteira na última década e outros municípios, como Gondomar, adaptam-se às imposições climatéricas. Para já, sustentabilidade, eficiência, informação e sensibilização do consumidor são os estandartes, antes de qualquer despacho de fecho das torneiras.
"O Município do Porto tem uma abordagem holística e persistente no que diz respeito à poupança de água, ancorada numa estratégia que está em marcha há vários anos e profundamente alinhada com os desafios climáticos da cidade. Esse foi um dos desígnios da Estratégia Municipal de Adaptação às Alterações Climáticas lançada por nós em 2016 e que já tinha projeções que apontavam, entre outras alterações, para uma potencial diminuição da precipitação total anual e um potencial aumento de temperaturas", afirma Filipe Araújo, vice-presidente da Câmara Municipal do Porto, responsável pelo pelouro do Ambiente da Transição Climática.
Sistemas de irrigação inteligente
No Porto, o "consumo eficiente e racional" é a divisa da estratégia de gestão municipal dos recursos hídricos, adotada há uma década. Os jardins e todos os espaços verdes do município foram requalificados com vista à necessidade de diminuição da rega. O coberto vegetal foi substituído por espécies menos exigentes e preferencialmente sem necessidade de rega de qualquer tipo (exceto no período da plantação ou sementeiras). Os relvados convencionais foram igualmente substituídos por prados de sequeiro e floridos, estes com necessidade reduzida de rega.
Simultaneamente, foram ampliados os sistemas de irrigação inteligente, automatizada com recurso a software interligado com estações meteorológicas e que permite a gestão das necessidades de rega em função das condições climatéricas.
Responsável pela gestão integral do ciclo urbano da água, a empresa municipal Águas e Energia do Porto tem como principal bandeira a redução das perdas e do desperdício de água. Em 2021, atingiu o valor mais baixo de sempre da água não faturada (perdas), com um resultado abaixo dos 14,9%, quando em 2006 ascendia a mais de 54% e era condição insustentável para o sistema. Nestes últimos 15 anos, o Porto reduziu em mais de 200 mil milhões de litros de água as perdas que outrora tornavam o sistema completamente insustentável.
Desinfeção UV
Ainda assim, apesar destas melhorias todas e da "gestão eficiente dos recursos hídricos e na poupança de água de forma sistemática", Filipe Araújo sublinha que a Câmara Municipal do Porto poderá "tomar outras medidas, conforme a evolução da situação nos próximos dias".
Entre outras medidas, a Câmara Municipal do Porto destaca o estudo e anteprojeto para transformação das estações de tratamento de água residuais, com introdução de novas tecnologias, "mais eficazes, fiáveis e resilientes". Está igualmente projetado um tratamento secundário para desinfeção por radiação ultravioleta, permitirá que a água tratada atinja a qualidade necessária para ser reutilizada na rega de jardins públicos e lavagens de ruas.
"Tendência longa"
Na margem oposta do Douro, Gaia também também é preventiva e pró-ativa: para jardins e espaços verdes, desenvolveu um sistema inteligente de rega. Os bebedouros públicos foram substituídos por soluções mais eficientes.
"Questões como a rega de jardins e o modelo de construção de jardins e de espaços públicos, o tratamento de águas residuais, a dessalinização, o ajustamento da agricultura e das espécies arbóreas, a educação para os consumos, entre tantas outras, são assuntos urgentes e que envolvem diretamente os municípios e cada um de nós", sublinha o presidente da Câmara de Gaia.
"Infelizmente - continua Eduardo Vítor Rodrigues -, a situação de seca que vivemos atualmente em Portugal não é resultado de um ano anormal, mas sim de uma tendência que se vem agravando nos últimos anos. Fica claro que as alterações climáticas não são um problema do urso polar, mas tocam na vida de todos nós. E de que maneira... Por isso mesmo, importa acompanhar estas alterações de mudanças nas próprias políticas públicas. Ou há a consciencialização de que não é um ano de azar, mas sim uma tendência longa, ou então, na verdade, estamos todos a iludir-nos".
Gondomar gota-a-gota
Por toda a Área Metropolitana do Porto planeia-se o combate aos efeitos da seca. Em Gondomar, por exemplo, a Câmara, em articulação com as freguesias, pondera fechar provisoriamente os fontenários públicos e os lavadouros que não sejam essenciais . O chafariz do Largo do Souto já foi fechado.
A Câmara de Gondomar aposta também na eficiência da rega dos jardins: em 2021, foi introduzido o sistema gota-a-gota em 22 espaços verdes do município, numa área total de 11 161 metros quadrados.
"Temos vindo a implementar a remodelação destes espaços, tornando-os mais sustentáveis e tendo em vista quer o aumento da biodiversidade quer a redução dos custos de manutenção, nomeadamente a redução das necessidades hídricas e dos consumos de água. As medidas que estão a ser implantadas compreendem a substituição dos relvados, em zonas em que os espaços têm a função ornamental, por vegetação arbustiva autóctone, mais adaptada e resiliente ao clima local, a utilização de coberturas de solo com inertes, tipo casca de pinheiro, reduzindo a evaporação e, consequentemente, aumentando a humidade do solo e reduzindo as amplitudes térmicas. Também procedemos à substituição de sistemas de rega de aspersão/pulverização por sistemas de rega localizada (gota-a-gota), reduzindo as perdas por evaporação, reduzindo as dotações (consumos) e aumentando a eficiência da utilização de água pelas plantas", explica a Câmara presidida por Marco Martins.