Residentes queixam-se do excesso de construção em altura e da falta de preservação dos imóveis. Algumas das antigas habitações que faziam parte do imaginário desta zona da cidade já foram demolidas.
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Casas antigas demolidas para dar lugar a prédios em betão de vários andares. Tal como na restante cidade também na Foz a requalificação urbana avança a grande ritmo. Só que aqui o cimento começa a ameaçar a arquitetura tradicional que durante décadas foi a imagem desta zona privilegiada do Porto. Vão desaparecendo os típicos chalés e neste momento só a Foz Velha tem o seu património salvaguardado.
"A Foz nova acabou. Era uma zona residencial, de moradias unifamiliares, com um padrão muito definido mas, de há oito anos para cá, tem-se promovido o apetite da construção numa zona privilegiada", considera Fernando Braga de Matos, presidente da Associação dos Moradores da Foz Velha.
As demolições vão sendo denunciadas nas redes sociais. A mais recente aconteceu na Praça de Liége, mas outras ocorreram na Rua da Índia, na Rua do Dr. Sousa Rosa, na Senhora da Luz, Alto de Vila, Rua de Diu, de Gondarém e até na primeira linha de mar, na Avenida do Brasil, as casas apalaçadas estão em perigo.
"Pelo menos devia-se preservar as fachadas porque é uma pena o que está a acontecer. As ruas estão a ficar descaracterizadas", diz Maria do Sameiro Costa, vendedora no Mercado da Foz, também já muito alterado e "sem a beleza que tinha". Maria do Sameiro queixa-se do excesso de cimento no restauro da entrada e do bebedouro em ferro fundido que, após as obras, nunca mais regressou. Os mais antigos moradores temem também pelo antigo lavadouro, localizado mesmo em frente à Junta. Algumas pias em pedra estão tapadas com cimento e "dizem que metade delas vão desaparecer e que apenas um bocadinho será mantido para perpetuar a memória".
Outros tempos
Dois chalés, na Rua do Dr. Sousa Rosa, foram abaixo. Juntamente com os palacetes abrasileirados e as pequenas casas de veraneio fazem parte da imagem de oitocentos quando Nevogilde era uma estação balnear por excelência, acolhendo a média e alta burguesia que vinha a banhos para estas bandas ligadas por elétrico ao afastado centro do Porto.
"Ainda me lembro desses tempos e das várias famílias que frequentavam a Foz. Tudo mudou e só continuo aqui com o estabelecimento porque fiquei viúvo há pouco tempo e preciso de passar o tempo", conta António Júlio Andrade, de 77 anos, à porta da sua Mercearia Pérola de Goa.
"Devia haver mais respeito pela arte! O que está a acontecer aqui, em termos de imagem paisagística, é um absurdo!", diz Augusto Oliveira, perante a construção de um edifício de vários andares ao lado de uma casa apalaçada da Avenida do Brasil. Uma grua transporta materiais para o alto da construção. Na janela da habitação, duas idosas acompanham com apreensão os trabalhos. A antiga casa tem sofrido com a construção vizinha, existindo paredes rachadas e tetos em estuque danificados.
"A atual revisão do PDM vai travar muitos destes abusos, mas o mal está feito e a Foz, como toda a gente a conhecia, morreu!", diz o presidente da Associação de Moradores da Foz Velha.
Imóveis que "não estão classificados nem inventariados"
A Câmara do Porto tem acompanhado a renovação urbanística nesta zona da cidade e diz que na Foz tudo o que é classificado "tem a proteção adicional que a Direção-Geral do Património Cultural lhe confere, designadamente na Foz Velha e Avenida de Montevideu". Contactada pelo JN, fonte da Autarquia explicou que "muitas vezes há contestação sobre operações que dizem respeito a imóveis que não estão nem classificados, nem inventariados, e portanto não têm defesa específica no atual PDM". A Câmara sabe, no entanto, que "nem todas as preexistências têm o valor necessário para que se impeça a sua substituição". Seja como for, o novo PDM vai introduzir um conjunto de instrumentos que "permitirão maior defesa de valores de conjunto, para além dos imóveis inventariados e classificados, sempre numa perspetiva de conservação dinâmica de valores patrimoniais, quando existam". Neste momento, o PDM do Porto já se encontra na sua fase final de revisão.
Polo de atração
Zona pertence à União das Freguesias de Aldoar, Foz do Douro e Nevogilde. O passeio marítimo sempre foi polo de atração, pelas suas esplanadas, bares e jardins à beira-mar.
Famosos
A Foz sempre foi procurada por artistas e escritores, como os escultores Ângelo de Sousa, Irene Vilar ou os escritores António Rebordão Navarro, Vasco Graça Moura, Eugénio de Andrade e Antero de Figueiredo.
Foz Velha
Em 2018, o tribunal determinou "o embargo total" da obra na Rua de Montebelo, na Foz Velha, alertando para a "probabilidade" de "ser julgada procedente".