Câmara da Póvoa de Varzim “chumbou” projeto inicial, porque previa demolições e novos edifícios. Um ano depois, aprovou obras de “cosmética” que, afinal, construíram em cima da duna.
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A reconstrução e ampliação dos edifícios não poderia ser feita por estar em zona dunar, ameaçada pelas cheias e em Reserva Ecológica Nacional. Foi com este argumento que, em 2021, Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional Norte (CCDR-N) e Câmara da Póvoa de Varzim “chumbaram” a transformação do Parque de Campismo da Estela num hotel de luxo. Um ano depois, a autarquia deu “luz verde” a um novo projeto, que, por ser apenas uma operação de “cosmética”, dispensou parecer das entidades externas. Mas a verdade é que houve demolições e ampliações. A Agência Portuguesa do Ambiente (APA) diz que há “inconformidades”. A associação Último Recurso pondera recorrer a tribunal.
Na sequência das denúncias que começaram a chegar depois do JN ter noticiado o caso a 22 de janeiro, a organização não-governamental exigiu, agora, esclarecimentos à câmara. Explica que a construção decorre “sem licenciamento autónomo” e lembra que a APA já sinalizou “inconformidades entre a obra executada e os elementos do Pedido de Informação Prévia (PIP)”. Pondera recorrer a tribunal, caso a obra não seja embargada.
Consultado o processo, entrou na Câmara, no final de 2020, um primeiro PIP – processo 788/20 – que previa a demolição dos edifícios existentes, a sua substituição e ampliação e a colocação de novos e mais bungalows.
“A ação pretendida - obras de requalificação e alteração -encontra-se totalmente em REN, mais concretamente nas tipologias ‘dunas litorais’, ‘zonas ameaçadas pelas cheias’ e ‘área de máxima infiltração, sendo ainda delimitada por ‘leitos e cursos de água’”, afirma a CCDR-N, que, a 18 de dezembro de 2020, deu parecer desfavorável à obra.
Em março de 2021, a Câmara “chumbava” definitivamente o PIP. Argumentava com o parecer desfavorável da CCDR-N e explicava que, naquela zona está em curso a elaboração de um PIER (Plano de Intervenção em Espaço Rural – UOPG 15) e, “até lá, não é admitido o licenciamento de quaisquer obras de construção ou ampliação”.
Pouco mais de um ano depois, entrava na autarquia um novo PIP – 899/22. Numa informação sumária, previa apenas obras de requalificação. A autarquia deu-lhe “luz verde”.
Instalada a polémica, a APA veio ao local. Constatou que as obras “não estavam exatamente em conformidade com as peças desenhadas analisadas no âmbito do PIP”, afirmou o Ministério do Ambiente, em resposta a uma pergunta do Bloco de Esquerda. Ainda assim, não embargou a obra. Face às “inconformidades”, explica, “irá solicitar à Câmara, enquanto entidade licenciadora, esclarecimentos sobre o projeto aprovado”.
Em declarações à agência Lusa, o presidente da Câmara, Aires Pereira, afirmou desconhecer que a APA tenha sinalizado inconformidades e garantiu que a câmara está a monitorizar os pressupostos do projeto e a evolução da obra.
“Glamping”, mas sem tendas
O presidente da Câmara da Póvoa, Aires Pereira, diz que o que está a ser feito na Estela é “a modernização do antigo Parque de Campismo do Rio Alto, adaptando-o para um conceito de ‘glamping’” e garante que não foi licenciado qualquer hotel. Mas a verdade é que no novo Tivoli Estela Golf & Lodges, diz o promotor, não há nenhuma tenda. O “glamping” combina o conceito de tenda com o conforto de um hotel, mas ali há apenas “80 quartos e suites” em bungalows. Nenhum espaço para tendas.
Aires Pereira afirmou ainda à Lusa que o promotor “investiu milhões de euros” para requalificar um espaço que estava “desatualizado e degradado”, recuperando-o “como uma mais-valia de atração turística e económica” e garante que “não foi aumentado um metro quadrado de área de construção”. O Parque de Campismo tem licença caducada desde novembro de 2023, que só poderá ser renovada se ali existir 75% do espaço disponível para tendas.