Associação social e cultural A Pele instalou-se em Azevedo de Campanhã, no Porto, e desafiou residentes a participar num projeto a apresentar à cidade nos próximos dias 25 e 26.
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Sentado no muro ao lado de uma antiga adega de vinhos agora recuperada, o grupo de moradores de Azevedo de Campanhã discute o programa de criação artística que os elementos do A Pele, uma estrutura artística do Porto, estão a desenvolver. Todos residem na zona "esquecida" da cidade, onde os índices de pobreza são elevados, mas foram chamados a participar num espetáculo que nos próximos dias 25 e 26 terão apresentação pública na Praça da Alegria.
A criação artística está inserida no programa Azevedo cujo objetivo é "despertar processos de criação coletiva e de participação comunitária, promovendo através da intervenção artística a ativação de espaços comuns". Maria José Pereira, a Mizé que vive ali há 36 anos, tendo o sogro sido caseiro do antigo proprietário da adega, mostra-se confusa. "Não sei bem o que eles vão fazer", confessa a mulher de 63 anos. No interior da adega onde há mais de 30 anos se fazia vinho, ainda restam as cisternas e as prensas. No exterior, as pipas de madeira apodrecem sobre o manto de erva verde. Fernando Almeida, codiretor artístico, trata do restauro do edifício e da construção da estrutura da instalação a apresentar no espetáculo.
Laurinda Magalhães, de 68 anos, acompanha os trabalhos. "Dizem que sou coscuvilheira, mas não é nada disso. Tenho é curiosidade", explica, enquanto entrega a Rodrigo Malvar, que divide a direção artística com Fernando, uma antiga edição brasileira sobre plantas que curam.
A criação do grupo envolve madeira, água e plantas, todas aromáticas, oferecidas pelos moradores e retiradas dos seus quintais que para ali são levadas em panelas velhas, jarras e vasos. Todos os elementos estarão em exposição na performance e, no final, o espectador poderá levar para casa o organismo vivo. "No fundo, o que pretendemos com este trabalho é dar às pessoas a decisão de optar por um destino diferente, ou seja, se tens uma dor de cabeça, a opção de beber uma infusão em vez de tomar um ben-u-ron", salienta Rodrigo Malvar.
Os moradores entendem já a linguagem dos membros da Pele e para a adega trazem os seus problemas do dia a dia. As ruas que ainda não têm luz elétrica, a falta de passeios e de transportes. A STCP apenas serve o lugar com uma linha, a 400, que passa na rua principal de meia em meia hora.
"Nunca ninguém se interessou por Azevedo. Agora, falam de grandes projetos para Campanhã mas não queremos aqui mais betão. Queremos aqui casas condignas, mas com quintais e jardins", defende Laurinda. Os moradores incorporaram já a filosofia dos jovens artistas que ali inspiram modelos alternativos de vivência coletiva que contribuem para afirmar uma identidade comum.
Instalação faz parte da programação da 6.ª edição do Mexe
A instalação Azevedo integra a programação do MEXE, o 6.o Encontro Internacional de Arte e Comunidade que se realiza no Porto, Viseu e Lisboa, entre 18 de setembro e 3 de outubro. No programa, A Pele desenvolve quatro micro-histórias:? Satélite, Lugar-Comum, Centro Cultural Móvel e Parlamento Expandido. Cada uma, enquanto parte de um assunto mais amplo, será alimentada pelo diálogo entre as comunidades residentes e criadores convidados, numa investigação partilhada e dinamizadora de outras formas culturais identitárias.