“Freguesia + Segura” fornece dados que podem ser úteis à Proteção Civil em aldeias mais remotas. Iniciativa de Andreia Rodrigues valoriza presidentes de junta.
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Conhecer o terreno e saber o que fazer em caso de incêndio pode ser a diferença entra a vida e a morte. Esta é a ideia basilar do projeto “Freguesia + Segura”, que dota presidentes de junta de informações essenciais em caso de catástrofe natural ou tecnológica.
“Isto surgiu porque os presidentes de junta, apesar de serem identificados como fundamentais em questões de Proteção Civil, eram muito pouco envolvidos. Fez-me pensar sobre como poderiam ser motivados e ter uma ferramenta a que pudessem facilmente ter acesso”, explica a força mentora do “Freguesia + Segura” (F+S), Andreia Rodrigues. “Não é só dizer-se que está mais próximo das pessoas, é arranjar maneiras fáceis, diretas e intuitivas para efetivamente a Proteção Civil ser uma política de proximidade”, apoia Helena Correia, presidente da Junta de Freguesia de Lousã e Vilarinho, concelho da Lousã.
Ciência para a sociedade
O projeto, em regime de voluntariado, nasceu do desejo de Andreia Rodrigues em dar continuidade ao trabalho de dois anos no programa “Evacuar Floresta” e cresceu no âmbito do doutoramento que está a fazer na Universidade de Coimbra. “Só faz sentido fazer ciência se alguma puder ser diretamente para a sociedade”, diz a doutoranda.
“As pessoas que estudam e fazem estes projetos científicos, quando descem à comunidade, são uma boa ajuda”, defende Helena Rodrigues, a primeira a responder ao convite enviado por Andreia Rodrigues a vários autarcas do país para apresentar o F+S. O programa começa com a georreferenciação das ruas, casas e agregados familiares nas aldeias. Os dados são inseridos no MyMaps, aplicação gratuita da Google, e partilhados com o executivo da junta, que tem um perfil próprio e pode ir atualizando.
Bombeiros e a Proteção Civil Municipal ficam também com acesso ao ficheiro, mas não podem editar; só consultar.
Após a inventariação, fica definido, com o presidente de Junta, o local do abrigo, os caminhos de evacuação, as zonas de viragem, para o caso de ser necessário um autocarro. “Ficamos com tudo referenciado numa plataforma e a saber o que fazer em caso de ocorrência extrema”, diz Helena Correia. “É mais uma ferramenta para a nossa luta”, aduz Luís Martins, presidente da Junta de Semide e Rio de Vide (Miranda do Corvo), que levou o projeto à aldeia de Coenços Cimeiros.
“Numa emergência, o presidente de junta, que é um elemento previsto nas Diretivas Operacionais nos postos de comando, pode partilhar o link com os elementos que achar necessários”, explica Andreia Rodrigues. “Estas ferramentas, estando na mão dos autarcas locais, são credíveis e uma mais-valia para os meios de socorro e para a população”, diz Bruno Almeida, comandante dos Bombeiros de Anadia, que tem colaborado na implementação do F+S em aldeias mais serranas daquele concelho, como Avelãs de Cima, Moita e Vila Nova de Monsarros.
Jogar na antecipação
“Falando enquanto bombeiro, ter a noção do tipo de população, das limitações de cada um e das dificuldades que vamos ter é uma informação valiosa que nos permite definir uma estratégia mais rápida em caso de emergência”, diz Bruno Almeida. “É trabalhar na antecipação, e isso é muito bom”, acrescenta.
“Gosto de considerar que este projeto é um reforço, um incentivo à implementação do programa Aldeia Segura, Pessoas Seguras”, diz Andreia Rodrigues. O F+S completa-se com a instalação de sinalética, como as indicações para o abrigo, formação para os habitantes e termina com um exercício de evacuação.
Um processo que já foi testado, por exemplo, em Cabanões. “É uma aldeia de fim de linha, que não tem saída, tem só uma estrada”, diz a presidente da Junta de Lousã e Vilarinho. “Com o levantamento feito com a Andreia conseguimos juntar toda a Proteção Civil do concelho, a Câmara, os bombeiros, uma instituição que tem um lar de idosos e fazer um simulacro de evacuação”, acrescenta Helena Correia.
Exemplo Cristiano Ronaldo
Bruno Monteiro considera que este tipo de exercício é “extremamente útil”, pois permite detetar os pontos a melhorar. “Isto não é um projeto acabado, carece de ser alimentado e mantido, com formações regulares e exercícios”, acrescenta o comandante dos Bombeiros de Anadia, que ajudou a concluir o primeiro simulacro no âmbito do F+S no concelho, a 29 de junho, no Corgo de Baixo, aldeia varrida pelo fogo em 2005. “Hoje, se acontecer alguma coisa, nomeadamente um incêndio, as pessoas estão mais preparadas e têm uma noção melhor daquilo que têm de fazer”, explica.
“Cristiano Ronaldo é um dos melhores do Mundo, mas se deixar de treinar penáltis não vai marcar com tanta facilidade”, exemplifica Bruno Monteiro, que não se deixa vencer pelos céticos. “Mesmo contrariada, sem vontade, qualquer pessoa que treine um procedimento vai estar mais mecanizada. Se as coisas acontecerem, as pessoas podem perder a capacidade de raciocínio, mas vai haver uma resposta praticamente automática porque já treinaram essa situação”, sublinha o comandante dos Bombeiros de Anadia.
Três concelhos e sete freguesias aderiram ao projeto. Duas em Torre de Moncorvo (Semide e Rio de Vide e Moncorvo), outras tantas na Lousã (Cerdeira e Lousã e Vilarinho) e três em Anadia (Avelãs de Cima, Moita e Monsarros).
27 habitantes em Coenços Cimeiros foram identificados por Andreia Rodrigues nesta aldeia da freguesia de Semide e Rio de Vide. 18 são permanentes.