A Póvoa de Varzim está transformada, por estes dias, na capital nacional do hip hop. Uma competição que termina neste domingo junta mais de 2300 participantes e os ensaios na rua são um verdadeiro espetáculo de borla para os moradores.
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Leonor acaba de fazer as tranças no cabelo. Já ensaiou numa das ruas junto ao pavilhão municipal da Póvoa de Varzim, por estes dias apinhadas de palcos improvisados. Falta pouco para o início da competição. É o Hip Hop Internacional (HHI). São mais de 2300 participantes de 60 cidades, cinco mil espectadores. A festa da street dance continua até amanhã.
Leonor respira fundo. Do alto dos seus 14 anos, e apesar dos 11 que leva a dançar, sente o “friozinho na barriga”. Afinal, foi para isto que treinou nove horas por semana, nos últimos seis meses. Para “a comunidade”, o HHI é “o evento do ano”. Ali a dois passos, outro grupo. O mesmo “nervoso miudinho”. Nas janelas, há quem assista, feliz pelo “espetáculo à borla”. O hip hop nasceu na rua. É um regresso às origens.
“Só o campeonato mundial é que tem mais participantes”, afirma, orgulhoso, o bailarino e coreógrafo João Marques, que, desde 2014, organiza o HHI Portugal, com Vítor Fontes e Jorge Pereira. A ideia surgiu quando os três amigos se juntaram para competir no HHI Espanha. Daí a trazer o formato para Portugal foi um tirinho.
Estiveram dez anos na Maia. Este ano, um convite, “melhores condições” e “uma vontade de fazer sempre mais e melhor” fez o campeonato rumar à Póvoa de Varzim.São “quatro dias de festa rija”: 207 equipas, distribuídas por seis divisões oficiais - júnior, varsity, adult, minicrew, smallcrew e megacrew - às quais se juntam mais três “amadoras” - kids, starters e gold. Pelo meio, há ainda as battles - um contra um, uma música à sorte, uma dança de improviso –, um espaço de freestyle, três masterclasses - com destaque para a da cantora e bailarina Blaya, amanhã, às 13 horas –, uma funzone e, claro, a festa de encerramento, hoje, às 23. Há gente dos cinco aos 50 anos.
No dia inaugural, o pavilhão com dois mil lugares esteve lotado. “A cultura do hip hop é muito mais do que o HHI, mas este campeonato é um impulsionador das danças de rua e presta a devida homenagem a uma cultura que, durante muitos anos, não tinha lugar”, frisa Flávia Moreira, que em 2019 representou Portugal no mundial.
O hip hop é filho da rua, mas há muito que perdeu esse estigma de gangue e bairro. “Estamos numa era mais madura da dança nas academias. O hip hop tem mais praticantes e a maior parte dos bailarinos começa pelo ginásio e não pela rua”, atira João, sorrindo. Ainda assim, balança entre um desporto e uma arte/cultura, e isso, explica João, tem criado “algumas dificuldades”. O breaking – um dos “braços” do hip hop – até se estreou como modalidade olímpica em Paris 2024, mas, quando parecia haver “um excelente primeiro passo”, foi excluído de Los Angeles 2028.
O HHI é um “pequeno contributo”. Realiza-se já em 55 países. As cinco melhores crews (equipas) de cada divisão vão representar Portugal no campeonato do Mundo, que vai decorrer em Phoenix, nos EUA, de 3 a 10 de agosto.“A cidade está cheia, os hotéis estão lotados, a restauração criou menus específicos, é uma mais-valia para a Póvoa e o ambiente é muito animado. Sente-se, como eles dizem, uma ‘boa vibe’”, explica a vereadora da Coesão Social, Andrea Silva, satisfeita por ver, na envolvente do pavilhão, centenas de bailarinos “a ensaiar em cada bocadinho de passeio”.