São cada vez mais os profissionais de outros ramos que ficaram desempregados e decidiram tirar os cursos ministrados pela escola da associação do setor, no Porto.
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Foram contabilistas, militares, psicólogos, camionistas e até bancários. Mas quando a pandemia lhes mudou o rumo da vida, deixando-os no desemprego, entenderam que era a oportunidade de concretizarem um sonho, consecutivamente adiado, ou uma forma de nunca lhes faltar trabalho. Esta é a realidade de muitos dos alunos que estão a tirar os cursos de cabeleireiro e de barbeiro na escola da Associação de Cabeleireiros de Portugal (ACP), com sede no Porto.
"Ainda que a pandemia tenha trazido constrangimentos, que inclusive obrigaram à interrupção da formação, esta é uma profissão que não tem desemprego", diz Fernando de Sousa, presidente da ACP. Tanto assim que "a grande maioria da turma de cabeleireiro - constituída por 12 formandos - e que realizam a prova final amanhã, já trabalham", destaca Cristina Ferreira, coordenadora pedagógica e secretária-geral da ACP. Um motivo de "orgulho", sublinha Fernando de Sousa.
Os números não enganam: "A nível nacional devem existir mais de 50 mil cabeleireiros, sendo que desses entre 15 e 20 mil é que são oficiais", refere o presidente da ACP.
Aliás, para os representantes da instituição centenária (a ACP completa em novembro 121 anos) era importante que voltasse a ser exigido neste setor "o título profissional", que deixou de ser preciso, a partir março de 2015, "com a Troika". "Continuará a ser um luta constante a falta de profissionais qualificados, porque para desempenhar esta profissão não basta ter jeitinho", reforça Cristina Ferreira, dando como exemplo "as disciplinas de Anatomia e Fisiologia" que os alunos têm de frequentar.
Do mesmo modo, Fernando chama a atenção para que os candidatos a cabeleireiro "escolham formação certificada e honesta, porque há muita gente enganada". E acrescenta: "É impossível ser-se cabeleireiro ao fim de quatro ou cinco meses de formação. Isso é enganador".
Na "hairschool" da ACP "a formação tem uma carga horária de 1275 horas [cerca de um ano], de segunda a sexta-feira, e mais 210 horas de estágio, com formação prática em contexto de trabalho", refere a coordenadora pedagógica.
Como escola que são, o uso de modelos "é diário" e a instituição lida frequentemente com falta de voluntários. "Já tentamos por várias vezes estabelecer acordos com instituições da cidade, por exemplo com lares da Terceira Idade ou com profissionais que lidam com sem-abrigo, mas nunca conseguimos nada em concreto", explica.
Arminda Pinto, 71 anos, residente na Maia, foi há quatro anos "convidada" a ser modelo e nunca mais deixou de ir ao número 317 da Rua Formosa, sede da ACP. "Umas vezes, chamam-me, outras venho porque preciso", conta, a "cliente", destacando que "além de gente competente e simpática", o serviço tem a mais-valia de ser gratuito. "Se pudesse, estava aqui todo o dia a ser massajada", diz, soltando uma gargalhada.
susana Nunes, 37 anos
"Falta de trabalho trouxe-me aqui"
Susana Nunes está concentrada a secar o longo cabelo da filha. Foi por ela que quando se viu desempregada, depois de cinco anos a conduzir camiões de longo curso "Europa fora", pensou que "seria bom" ter uma profissão que lhe permitisse estar "mais tempo com a filha".
E, inevitavelmente, que "não tivesse falta de trabalho". Até porque: "Foi a falta de emprego que me trouxe até aqui", conta a formanda, com a convicção de quem não baixou os braços. Aos 37 anos, decidiu aprender uma nova arte.
Bruno Silva, 19 anos
"Tenho este sonho desde criança"
Bruno, natural de Rebordosa, Paredes, tem o sonho de ser cabeleireiro "desde criança". Tanto que já trabalha como auxiliar de um salão desde o 9.º ano. Mas para seguir a profissão queria muito ingressar no curso da Associação de Cabeleireiros de Portugal. No entanto, era preciso, primeiro, completar o 12.º ano.
"Queria agarrar isto o mais depressa possível! Tanto que me inscrevi num curso profissional e, no último ano, acumulei as aulas também aqui", conta o aluno.
Enquanto lava o cabelo de Arminda, depois de lhe ter aplicado tinta, Bruno dá asas aos sonhos e fala da vontade de abrir o seu próprio negócio em Rebordosa.
O mais novo de três irmãos confessa que "já está tudo bem pensado, o salão só ainda não tem nome".
Núria Silva, 40 anos
"Mudei o rumo da minha vida"
Núria trabalhou como psicóloga junto de crianças, mas a vida acabou por ter "umas mudanças", que a fizeram "mudar de rumo". Aos 40 anos, não baixou os braços, decidiu voltar a ser aluna e seguir uma nova profissão.
Enquanto escuta atenta as dicas da professora Ana, confessa que "está a ser uma experiência muito boa". "O saldo é positivo", remata.
Ana SAntos, 23 anos
"O segredo é fazer o que gostamos"
Ana Rita Santos decidiu aos 18 anos ir tirar o curso de cabeleireiro. "Porque, sim! Porque era aquilo que imagina fazer na vida, antes mesmo de pensar em tirar um curso superior", explica.
Agora, aos 23, não só é formadora na escola da Associação de Cabeleireiros de Portugal, onde estudou, como está também a finalizar o curso de Gestão de Empresas.
A jovem da Feira confessa que o segredo para conseguir estar envolvida em várias coisas "é fazer aquilo que se gosta".