Quase oito mil voluntários em todo o país ajudam as Forças Armadas na luta contra a pandemia. Espírito de missão no Hospital Militar do Porto.
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Anabela, João e Juliana são rostos por detrás de máscaras nestes dias de vidas suspensas por uma pandemia: só lhes imaginamos os sorrisos, mas eles sorriem sempre, mesmo na dureza dos dias passados na linha da frente do combate à Covid-19. Fazem-no com o olhar, o mesmo em que a ternura se alia à firmeza de quem é voluntário por convicção. E a sério, ou não se tivessem oferecido para trabalhar com a instituição militar, passando por um crivo exigente que inclui testes médicos, experiência e frequência de uma formação na respetiva área de voluntariado.
Desempregados, os três poderiam ter optado por ficar em casa, mas nenhum deles pensou duas vezes para dar um passo em frente quando, em março, as Forças Armadas desafiaram a "família militar" - ex-militares, militares na reforma ou na reserva e familiares - a juntar-se aos que lutam contra o novo coronavírus. Agora, estão entre os quase oito mil que por todo o país disseram "presente" à iniciativa do Estado-Maior-General das Forças Armadas (EMGFA), e ofereceram-se para se entregarem de corpo e alma à missão de ajudar "em tudo o que for preciso" no polo do Porto do Hospital das Forças Armadas.
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Juliana Correia é uma honrosa exceção à regra: não está entre os "99% de voluntários" da família militar que a tenente-coronel Carla Ramos, que esteve à frente da seleção dos candidatos, tem na lista dos admitidos para prestar auxílio nas áreas de enfermagem, ação médica, cozinha, lavandaria, farmácia e comissão de controlo de infeção. Brasileira de S. Paulo sem ligações ao mundo militar e há menos de quatro meses em Portugal, sozinha, Juliana está há 15 dias na cozinha do hospital, onde conheceu Anabela Sousa, com quem partilha tarefas como a preparação de alimentos e embalamento.
"Foi de imediato"
"Quando vi o apelo [das Forças Armadas], senti o desejo e o dever de contribuir num momento tão difícil, e em resposta a tudo o que recebi neste país, a todo o apoio. É como se fosse o meu país; já me sinto daqui, e esta é uma maneira de agradecer tudo o que recebi" - os olhos negros da professora de Educação Musical de 47 anos, já experimentada no voluntariado, voltam a sorrir. Os de Anabela, que fazem lembrar o mar, repetem a façanha. Candidatou-se para voluntária quando eles "leram o apelo" do EMGFA. "Foi de imediato". Porque, "neste momento, toda a ajuda é bem-vinda", lembra a trabalhadora independente de 47 anos da área de Recursos Humanos - dispensada quando a pandemia estourou -, com vários militares na família.
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"Também fui uma das vítimas da Covid. Fui despedido", diria João Pinhal, a seco, por entre almofadas e fardas aprumadas na lavandaria do hospital. Com o "bichinho do voluntariado" a correr-lhe nas veias por conta dos "36 anos nos Bombeiros Voluntários da Aguda [Gaia]", aliados ao meio ano na tropa, anda "nas nuvens" com a nova missão e a nova farda, que resolveu envergar com orgulho aos 52 anos. "O meu sorriso é o mesmo. Só de me sentir útil... Não estou em casa sem fazer nada", diz o ex-trabalhador de uma empresa do setor automóvel, que agora trata de cerca de 650 quilos de roupa por dia. "É o recordar as Forças Armadas e é o gosto de usar uma farda. Mas o bichinho do voluntariado é até morrer".