<p>Há quem tenha morrido sem receber e quem já tenha esgotado o fundo de desemprego. A têxtil Flor do Campo, em Santo Tirso, parou em 2006 e quer perdão de 70% dos ordenados. Com a conivência da Segurança Social.</p>
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Foi uma das mais longas greves de que há memória em Portugal: há três anos, em Março, 400 trabalhadores da quase octogenária empresa, em S. Martinho do Campo, reclamaram, durante um mês, os salários em atraso.
Hoje, lutam pelo mesmo, mas com as esperanças por terra, ou não fosse o plano de insolvência da firma impor, para a recuperação da mesma, o perdão de 70% das dívidas a cada trabalhador, com pagamentos ao longo de uma década, com dois anos de carência. "Que paguem, ao menos, os salários do suor que deixámos lá. Nem isso querem pagar?", revolta-se Avelino Neto, 38 anos, subsídio de desemprego esgotado em Agosto, dois filhos, de oito e 14; a esposa a auferir o salário mínimo.
Segundo o Sindicato Têxtil do Porto, a história deste operário é passível de ser multiplicada por "30 a 40 trabalhadores que estão sem receber" e que não sabem se serão de imediato reintegrados pela fábrica, que conta, no início, readmitir apenas 20.
Esta é a terceira versão do documento de reanimação da Flor do Campo: as primeiras propunham, respectivamente, que os operários abdicassem de 85% e 80% dos direitos. Muitos receberiam entre dois a três euros mensais. Tudo sempre com o voto favorável da Segurança Social, credora maioritária da empresa, a qual é detentora de um passivo de 53 milhões, dos quais 33 deve àquela entidade e 10 aos funcionários.
Em Abril último, a juíza do processo (entretanto retirada) não homologou a segunda versão, obrigando a uma revisão que resultaria na presente proposta, aprovada por maioria no passado dia 20 de Outubro - Finanças e Iapmei (Instituto de Apoio às Pequenas e Médias Empresas) votaram contra.
Espera-se, agora, a decisão do novo juíz, mas o sindicato já avisou: "Se o plano for homologado, vamos recorrer da sentença". "É impensável que o valor dos salários seja reduzido para 30%", indigna-se Palmira Peixoto. Interroga: "O que leva a Segurança Social a agir desta forma? Para ficar com aquele património?" - recorde-se que, por conta de um Procedimento Extrajudicial de Conciliação (PEC), aquele instituto tem garantidos vastos bens imóveis da empresa não afectos à produção.
"Seis meses após a homologação do plano, e se não houver incumprimentos, a Segurança Social [que presentemente detém hipoteca sobre tudo] toma posse do que lhe foi atribuído através do PEC. Com o distrate das hipotecas, o património que deixa de estar onerado [a área de produção] é sempre moeda de troca. Por interposta pessoa, eles [Flor do Campo] podem liquidá-lo". "A melhor solução é a que sempre defendemos: declarar a falência e pagar aos trabalhadores", sentencia Palmira Peixoto.
"É muito difícil aquela empresa aguentar-se para além de um ano. Estamos a falar de uma têxtil parada há três anos: está tudo velho, entra chuva por todos os cantos e as máquinas precisam de reforma", sublinha. Um estudo exigido pelo PEC, a que o JN teve acesso, apontava, em 2003, para a necessidade de investir, a curto prazo, 1,5 milhões de euros na modernização da fábrica.
Tudo isto num Vale do Ave fustigado pelo desemprego, sobretudo no sector têxtil que, de 2003 a 2008, tinha mandado para a rua mais de 4400 trabalhadores só no concelho de Santo Tirso. O JN procurou ouvir a Segurança Social, mas não obteve resposta. Também tentou contactar o administrador judicial da têxtil, José Barros de Oliveira, sem êxito.