Três organizações, uma portuguesa e duas internacionais, apresentam queixa contra a decisão da Comissão Europeia de conceder estatuto preferencial ao projeto de lítio da mina do Barroso, em Boticas. Caso a resposta não seja a pretendida, o caso segue para o Tribunal de Justiça europeu.
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A concessão mineira da Savannah em Covas do Barroso é um dos 47 projetos europeus considerados estratégicos pela Comissão Europeia (CE) ao abrigo do Programa de Matérias-Primas. A Organização Não Governamental (ONG) internacional ClientEarth, a Associação Unidos em Defesa de Covas do Barroso (UDCB) e a MiningWatch Portugal anunciaram, em comunicado, que vão apresentar, esta quinta-feira, “uma queixa contra a decisão de conceder um estatuto preferencial ao controverso projeto de lítio da Mina do Barroso”, em Boticas.
As três organizações consideram que a Comissão Europeia "não avaliou corretamente os riscos ambientais e sociais" daquela exploração mineira ao conceder o estatuto de projeto estratégico. "Isto acontece apesar de provas de que o projeto pode ameaçar os recursos hídricos locais, prejudicar a biodiversidade e impactar as práticas agrícolas que sustentam a comunidade de Covas do Barroso", lê-se num comunicado conjunto enviado às redações.
“As pessoas aqui dependem de água limpa de nascentes e rios: para beber, para a agricultura e para o gado. Se essa água se tornar escassa ou contaminada, o nosso modo de vida fica em risco. Para quê? Para alguns anos de lítio trocados por mais carros e um novo tipo de poluição”, disse Catarina Alves, da UDCB. "Esta mina representa uma séria ameaça a um ecossistema frágil e a uma região com uma herança cultural única", comentou Ilze Tralmaka, uma das advogadas do coletivo internacional de defesa do ambiente ClientEarth.
As organizações dizem, na argumentação enviada à CE, que a proposta para o armazenamento de rejeitos que consta do Estudo de Impacto Ambiental é "insegura" e que fontes de água propostas para a mina foram “consideradas inviáveis” e ainda que a “aprovação do local não cumpre as condições ambientais necessárias”.
A queixa decorre do direito que assiste às ONG de pedir às instituições e organismos da UE a revisão de uma decisão por alegada violação da legislação ambiental. A Comissão deve responder oficialmente a este “pedido de revisão interna” no prazo de 16 semanas, prazo que pode ser prorrogado até às 20 semanas. Se os requerentes considerarem que a resposta da Comissão não resolve a questão, podem processar a Comissão no Tribunal de Justiça da União Europeia.
Preocupações com a transparência do processo
As ONG questionam a forma como o projeto foi incluído entre os considerados prioritários no âmbito do programa de autossuficiência europeia de matérias primas. “O caso também chama a atenção para preocupações mais amplas quanto à transparência e integridade dos processos de aprovação de projetos estratégicos da União Europeia”, lê-se no comunicado em que as ONG à Comissão que “adote um processo rigoroso, baseado em evidências, que verifique de forma independente as alegações dos promotores e priorize projetos que realmente estejam alinhados com os objetivos de sustentabilidade” da Europa.
A mina do Barroso é um dos quatro planos portugueses, três ligados ao lítio e um ao cobre, integrados na lista "de 47 projetos estratégicos destinados a impulsionar as capacidades europeias de matérias-primas estratégicas". Foi ainda incluída a mina do Romano, Montalegre, da Lusorecursos, a fábrica de processamento de lítio Lift One, proposta pela Lifthium, do grupo José de Mello e da Bondalti, para Estarreja, e projeto de extração e processamento de cobre na Mina Neves-Corvo, da Somincor.
Ao serem considerados estratégicos, segundo a CE, estes projetos poderão beneficiar de um apoio coordenado da Comissão, dos Estados-Membros e das instituições financeiras para se tornarem operacionais, nomeadamente no que diz respeito ao acesso ao financiamento e ao apoio para estabelecer a ligação com os compradores pertinentes. Beneficiarão igualmente de disposições de licenciamento simplificadas. Em conformidade com o Regulamento Matérias-Primas Críticas, o procedimento de concessão de licenças não excederá 27 meses para projetos de extração e 15 meses para outros projetos. Atualmente, os processos de licenciamento podem durar entre cinco e 10 anos.
"Classificar este projeto como 'estratégico' serve apenas para justificar a degradação ambiental e os prejuízos para as comunidades locais, ignorando a incerteza económica
do lítio e a contínua incapacidade da Europa em desenvolver uma cadeia de valor coerente para baterias", acrescentou Nik Völker, da MiningWatch Portugal. "Isto estabelece um precedente perigoso: transformar as periferias europeias em zonas de sacrifício, sem planeamento claro, imparcialidade ou responsabilização na execução da transição verde."
Dos 47 projetos aprovados pela CE, 25 compreendem atividades extrativas, desde o lítio ao tungsténio. Destes, mais de metade, 14, estão em zonas periféricas da Europa: Três na Roménia, três em Portugal, um integrado com tratamento, na Mina dos Romano, cinco em Espanha, dois com tratamento. Acresce um na Gronelândia, território autónomo da Dinamarca, e dois fora do Espaço Europeu: o grande projeto da Rio Tinto na Sérvia e um projeto no Reino Unido.
Do ponto de vista extrativo, acrescem três projetos apoiados pela CE fora da Europa: um em Madagáscar, Grafite, outro na Zâmbia, Songwe Hill Rare Earths Promoter: Mkango Resources Ltd, de terras raras, e também do mesmo tipo, na África do Sul.
No centro da Europa, há um projeto de extração apoiado na Alemanha, de lítio, e um do outro lado da fronteira, bem perto, na França, Ageli, para extração e processamento de lítio. De resto, para o coração do Velho Continente ficam os projetos de enriquecimento das matérias-primas. França fica com cinco de refinação de materiais, Alemanha dois, apesar de grandes reservas de lítio descobertas na Boémia, três na Chequia, outro país com grandes quantidades de lítio, e ainda um na Bélgica, da Umicore, a renovada antiga empresa de exploração mineira belga, que vai tratar germânio.